As comemorações dos 80 anos - ROA


POR Redação OA A Revista da OA

Em 2020 passaram 80 anos sobre a primeira edição da Revista da Ordem dos Advogados, que viu o prelo pela primeira vez em 1941. Este evento histórico foi lembrado no volume da ROA III/IV 2020, justamente dedicado à sua comemoração, com uma secção especial contendo um notável acervo de estudos jurídicos da autoria do senhor Bastonário Prof. Doutor Luís Menezes Leitão, e de outros insignes membros do Conselho Consultivo da revista.

Estes 80 anos da ROA têm sido de uma sólida cultura jurídica mas também de visão, de acompanhamento atento das vicissitudes da Justiça Portuguesa e da realidade da advocacia e da sua Ordem. A ROA manteve ao longo das décadas as duas vertentes que sempre caracterizaram a sua política editorial. Assim acabou por se tornar um repositório da melhor Doutrina que se foi fazendo no nosso país e um repositório histórico e cultural da vida da Advocacia portuguesa, permitindo agora e à distância, um olhar sobre a dinâmica da Justiça e da Ordem, e a sua adaptação às diferentes conjunturas políticas, sociais e económicas que o país foi atravessando no seu devir histórico dos últimos 80 anos.

Mas sem dúvida que aquilo que torna as ROA realmente preciosas para a classe e para todos os actores da justiça é  a doutrina que ali foi sendo publicada. As ROA reúnem textos doutrinários, a maioria das vezes completamente inéditos, dos mais brilhantes e eruditos juristas e advogados portugueses, provenientes de todas as geografias e diferentes academias, que ao longo dos últimos 80 anos contribuíram para a nobre tarefa de pensar, interpretar e criar o Direito no nosso país, e que com absoluto domínio da matéria versada deixaram aqui a sua contribuição indelével, para utilidade, prazer e fruição de todos.

Com base em pesquisa às muitas edições da nossa ROA e aos arquivos da Ordem dos Advogados, deixamos agora nota da primeira década da Revista da Ordem dos Advogados, procurando integrar este testemunho no seu contexto histórico e cultural e criando um quadro vivo do que melhor foi acontecendo na vida dos Advogados Portugueses, nos primórdios da sua Revista.

A DÉCADA DE 1940

I – CONTEXTOS

a) O contexto político-económico do país

A primeira ROA foi editada em 1941 sendo na altura Chefe de Estado Óscar Carmona, e Presidente do Conselho de Ministros António de Oliveira Salazar (cargo que ocupará até setembro de 1968). Na Justiça, era ministro no dealbar da década, Adriano Vaz Serra, que mantém a pasta até setembro de 1944. Professor catedrático da Universidade de Coimbra, deixou como principal legado a Reforma do Código Civil de 1867 (Código de Seabra), a cuja comissão presidiu, dando à mesma valiosa colaboração, reflectida em numerosos estudos que, para o efeito, publicou. Seguiu-se-lhe na mesma pasta Manuel Cavaleiro de Ferreira, catedrático da faculdade de Direito de Lisboa, que ocupou esse alto cargo até agosto de 1954. Nesta qualidade foi responsável pela reforma prisional, pela regulamentação do Habeas Corpus e pela construção de diversos tribunais.

Até 1945 o mundo encontrava-se em plena II Guerra Mundial na qual Portugal nunca chegou a participar. Salazar achava que o nosso país pouco tinha a ver com a política europeia, sendo a sua vocação essencialmente ultramarina. A hábil gestão desta neutralidade trouxe a Portugal, no final do conflito, os benefícios da paz sem pagar o preço da guerra. Mas, internamente, a situação era tudo menos pacífica, com forte agitação social e politica, que só veio a diminuir no final da década.

b) O contexto interno da Ordem, os Bastonários e a actividade da Ordem dos Advogados

Foram insignes Bastonários da Ordem dos Advogados durante a década de 40, Carlos Ferreira Pires (1939 – 1941); João Catanho de Menezes (1942); Acácio Ludgero de Almeida Furtado (de 1941 a 1944); António Emídio da Silva Sá Nogueira (1945 – 1947) e finalmente Artur de Morais de Carvalho (de 1948 a 1950). No período do Bastonato de Carlos Ferreira Pires são marcos principais de atividade da Ordem a aposta cultural na instalação do profícuo Instituto da Conferência, o início da publicação da Revista da Ordem dos Advogados e o notável impulso dado à organização da Biblioteca. Internamente houve lugar a uma verdadeira reforma nos serviços da Ordem, a sede da Ordem dos Advogados foi instalada no mesmo edifício onde ainda hoje se encontra, no Largo de S. Domingos (1939). Também o Bastonato de Acácio de Almeida Furtado foi vasto em actos de profundo e duradouro alcance para os Advogados: em 1943 entrou em vigor um novo Regulamento que veio sanar várias situações irregulares e pôr cobro ao exercício da advocacia por quem não estivesse inscrito na Ordem. Em 1944 foi elaborado o Regulamento de concessão do título de Advogado Honorário, e ainda nesse mesmo ano, a publicação do novo Estatuto Judiciário veio finalmente proibir expressamente a procuradoria ilícita. Finalmente durante o Bastonato do Dr. Sá Nogueira e do Dr. Artur Morais de Carvalho, salientam-se os estudos que vieram dar lugar à criação da CPAS, com a finalidade de conceder pensões de reforma, por invalidez ou por velhice aos beneficiários e conceder subsídios por morte às respectivas famílias.

II – A REVISTA DA ORDEM DOS ADVOGADOS, OS ANOS 40

Foi durante o Bastonato de Carlos Ferreira Pires que se começou a publicar a Revista da Ordem dos Advogados. Pouco depois dizia o Dr. Acácio Furtado da revista e matérias nela tratadas: “tudo dá à nossa Revista uma feição própria e muito especial, que a distingue de qualquer outra e que a integra perfeitamente na profissão do advogado e essencialmente aos advogados interessa, tornando-se para estes, a quem se destina gratuitamente, um precioso elemento de indispensável consulta e proveitosa orientação”.

Sem nos determos na descrição da organização do conteúdo das Revistas, sempre objecto de alteração ao longo dos seus 80 anos de vida, assinala-se, pelo seu valor histórico, a publicação todos os anos dos discursos das cerimónias solenes mais relevantes (vg. Abertura do Ano Judicial e outros) que representam uma janela aberta sobre as principais preocupações dos Advogados da época. Também avulta a importância, nesta década, da transcrição das palestras do Instituto da Conferência, das actas da Comissão de Revisão do Código Civil e de outras sessões culturais ou solenes da vida institucional.

A CULTURA

Nesta década, entre os textos de cariz cultural publicados nas ROA, há alguns que merecem especial menção, seja por mera curiosidade, pelo brilhantismo da palestra, a verve ou fina ironia do seu autor, ou pela intemporalidade dos temas, ponderação de problemas tão actuais agora como então. Em 1941 apontamos o muito actual e brilhante texto de Egas Moniz, “Psicoses Sociais[1]; os dois textos satíricos e de deliciosa leitura do Visconde de Santo-Tirso “Da Política e do Crime” e “De Jure[2]; e a bizarra pequena transcrição das Constituições do Arcebispado de Évora, de 1534, “Dos Feiticeiros Agoureiros e Benzedeiros[3]. Em 1943 ressalta o texto sobre a (des)igualdade de géneros, “(…)A mulher de Toga e Beca. A caminho da Emancipação[4], uma visão fruto do seu tempo, paternalista e condescendente, da autoria de José de Almeida Eusébio, a que se contrapõe outro, já de 1945, “A situação jurídica da mulher e a reforma do código civil”, em defesa da emancipação feminina, da autoria de Elina Guimarães [5]. No ano de 1947, Maria Alzira Costa de Castro disserta sobre “Crimes de Guerra[6], e em 1948, Barbosa de Magalhães faz um retrato brilhante da vida e obra de Suárez “O Padre Francisco Suarez e o Direito das Gentes[7]. De 1949 destacamos a conferência de Maurice Garçon “Défence D’Othello[8], em que o autor discorre sobre a forma como um advogado defenderia um assassino legendário e obteria a sua absolvição. Finalmente e já em 1950, vale a pena ler o texto do médico Diogo Furtado que, sob o título “A Coação Psicológica Perante o Direito[9], disserta sobre os métodos e drogas usados para obter confissões.

A DOUTRINA

Da década de 40 ficaram como testemunho um índice de 211 textos doutrinários publicados entre 1941 e 1949, que remetemos para consulta no portal da Ordem dos Advogados.

Texto: Elsa Mariano


[1] Publicado na ROA de 1941, Vol. I, Ano 1, nº 2, Discursos

[2] Publicados na ROA de 1941 , Vol. II – Ano 1 – Nº 3, Crónica e Nº 4 Crónica

[3]  Publicado na ROA de 1941, Vol. II – Ano 1 – Nº 4 Histórica

[4]  Publicado na ROA de 1943,  Ano 3, Nº 3 e 4 Discursos

[5]  Publicado na ROA de 1945 – Ano 5 – Nº 3 e 4 Doutrina

[6]  Publicado na ROA de 1947 – Vol. II – Ano 7 – Nº 3 e 4 Discursos

[7]  Publicado na ROA de 1948 – Vol. I – Ano 8 – Nº 3 e 4 Discursos

[8] Publicado na ROA de 1949 – Vol.I – Ano 9 – N.º 1 e 2 Discursos

[9] Publicado na ROA de 1950 – Ano 10 – N.º 1 e 2 Discursos