Associação dos Advogados de Lisboa

As origens remotas da Ordem dos Advogados

Na primeira metade do século XIX ocorreu um dos factos mais importantes da história da advocacia portuguesa: a fundação da Associação dos Advogados de Lisboa, tendo os seus estatutos sido aprovados por portaria de 23 de Março de 1838.

Estabelecia o primeiro dos doze artigos estatutários: “O objecto da Associação é conseguir a organização definitiva da Ordem dos Advogados e auxiliarem-se os Associados mutuamente, tanto para consultas, como para manutenção dos seus direitos”.

Ficava logo assim definido que as finalidades principais da associação seriam caminhar no sentido da criação de uma Ordem dos Advogados, dar apoio científico aos seus membros e pugnar pelo respeito dos direitos e prerrogativas dos seus Membros.

A Associação teve como primeiro presidente Manuel Félix de Oliveira Pinheiro (1774-1845), pai de Manuel Maria Bordalo Pinheiro e avô de Rafael e Columbano Bordalo Pinheiro, e foram seus insignes membros, os Advogados mais brilhantes da altura como Silveira da Mota, Abel Maria Jordão, Veiga Beirão e Silva Abranches. A associação teve uma vida longa e profícua, sendo chamada amiúde para se pronunciar sobre os vários projetos de Reforma Legislativa o que permite perceber o grande prestígio que detinha e lhe era reconhecido, tendo-se apenas extinguido com a publicação do Decreto nº 11715 de 12 de Junho de 1926, que veio consagrar a criação da Ordem dos Advogados.

As origens remotas da Ordem dos Advogados

É sabido que a Associação dos Advogados de Lisboa está na origem mais imediata da Ordem dos Advogados. Nas expressivas palavras do Bastonário Lopes Cardoso, por ocasião das comemorações dos 150 anos da fundação daquela Associação, ela será “a mãe carnal e a efusão de espíritos da actual Ordem dos Advogados, transmissão de cromossomas tão incisiva como se de seres vivos se tratasse”. Mas existem origens mais remotas para a Ordem dos Advogados que cumpre valorizar e dar testemunho.

Mas “Onde porém começa em Portugal a Ordem dos Advogados? Onde começa?” indagava-se PAULO MIDOSI, secretário perpétuo da Associação dos Advogados de Lisboa nos anos de 1874/75. Segundo ele “a Ordem dos Advogados data de Affonso V, porque apparecem os letrados a formar um corpo e a occuparem posição no foro”, ligando esta iniciativa ao facto do Rei de Portugal ter ido a Paris para ver os Advogados pleitearem diante do Parlamento. Seja ou não exacta esta retroação, é seguro que existem paralelismos entre a origem histórica da Ordem dos Advogados Portuguesa e instituições similares europeias.

A Confraria do Espirito Santo da Casa da Suplicação

Também no entender de alguns, as origens mais remotas, se bem que discutíveis, devem buscar-se numa Confraria: a Confraria do Espirito Santo da Casa da Suplicação, que abrangia os Advogados e muitas outras pessoas alheias à profissão. A Confraria ordenou compromisso em 1566, aprovado por alvará régio em 25 de Setembro desse ano. MARTINS DE CARVALHO, justifica a consideração desta origem da Ordem dos Advogados com o argumento que a sua congénere parisiense, a Confraria de S. Nicolau, também não era constituída somente por Advogados (e no entanto é reconhecidamente a origem da Ordem dos Advogados Francesa) e que a história da Irmandade da Casa da Suplicação atesta que os Advogados nela tiveram o principal papel. Por curiosidade, a Confraria de S. Nicolau, considerada a origem da atual Ordem dos Advogados Francesa, tinha como regra nas suas cerimónias solenes o pendão ser sempre empunhado por um advogado, tendo sido  assim que surgiu o nome “Bâtonnier”, traduzido entre nós por “Bastonário”.

Entretanto, espelhando o que acontecia na altura em vários países europeus que já tinham regulado “colégios” ou “ordens” de advogados, surgiram em 1835 em Portugal, as primeiras associações de Advogados, foram elas a “Sociedade Jurídica de Lisboa”, a “Sociedade Jurídica Portuense” e a “Associação Jurídica de Braga”. Se bem que se podem considerar percursoras daquele desígnio, estas associações não foram constituídas com aquele objectivo estatutário. No entanto, no caso da “Sociedade Jurídica de Lisboa”, uma das suas primeiras tarefas foi mesmo “elaborar as bases dum Colégio, Corporação ou Ordem dos Advogados”, que acabou por ser apresentado na sessão de 19 de Abril de 1835, sendo um projecto do Jurisconsulto José Manuel da Veiga, relator da comissão especial de advogados.

A Sociedade Jurídica de Lisboa

A Sociedade Jurídica de Lisboa foi fundada em 1835, tendo os seus estatutos sido aprovados na sessão de 12 de Abril de 1835 e visados por portaria de 25 de Maio do mesmo ano. Era constituída por Advogados, Magistrados e Bacharéis, tendo sido Presidente da Assembleia o Juiz de Direito Francisco de Paula e Oliveira e secretários os Advogados Dr. Abel Maria Jordão de Paiva Manso e o Dr. José Maria da Costa Silveira da Mota.

A Sociedade Juridica tinha por objecto “concorrer para a reforma, uniformidade e perfeição da. Legislação Portuguesa em todos os seus ramos, fixando e estabelecendo a sua inteligência prática, representando ao Governo, ou Câmaras Legislativas. sobre todos os seus inconvenientes, e defeitos, e oferecendo-lhes Projectos, para que eles cessem”, mas uma das suas primeiras tarefas foi elaborar as bases dum Colégio, Corporação ou Ordem dos Advogados, apresentado na sessão de 19 de Abril de 1835.

Entretanto estabelecia o artigo 19.º dos seus Estatutos o projecto de publicação dos Annaes: “A Sociedade terá um Periódico intitulado – Annaes da Sociedade Jurídica -, o qual sahirá todos os mezes, e conterá os extractos das Sessões, os extractos de todos os Procéssos, que o Redactor poder obter, e lhe parecerem mais notáveis; quaesquer analyses, reflexões, ou discursos, análogos ao fim Social, que os Sócios remetterem ao Redactor, para nelle inserir, e forem para esse fim approvados, e finalmente quanto a Sociedade mandar nelle imprimir“.

Dando corpo a esta intenção, foram publicados 25 números destes “Annaes da Sociedade Jurídica” entre Abril de 1835 e Maio de 1837, e eles ocupam, sem favor, um lugar de honra na história do periodismo jurídico nacional pois trata-se da primeira revista jurídica portuguesa, publicada em Lisboa. Do seu número inaugural de 1 de Abril de 1835, consta uma Reflexão Preliminar, que revela bem o entusiasmo associativo que movia os seus fundadores:

“Uma das cousas que mais tem concorrido para a civilisação dos Póvos, e para a prosperidade dos Estados é o espirito de associação (…) planta que cresce, e fructifica copiosamente no solo abençoado dos Governos livres, e que mui raras vezes vegeta no solo açoutado pelo vento esterilizador do despotismo (…) a Sociedade Juridica, que acaba de organizar-se (…) será um dos beneficios do Systema Representativo estabelecido entre nós. O Systema Representativo, tendo por baze o interesse Nacional e a Justiça, não teme as reuniões, que os Governos despoticos tanto recêam, não teme ser devorado pelo fogo da discussão. A Discussão, ao contrario, o purifica, lhe dá mais força, mais vida: e as reuniões pacificas, a livre communicação do pensamento, o commercio das idéas, são o seu elemento”.

Os vinte e cinco números dos Annaes fazem parte do acervo da Biblioteca da Ordem dos Advogados, pertencendo ao seu Fundo Geral de Periódicos, e podem ali ser consultados. Mais informações aqui.

A Sociedade Jurídica Portuense e a Associação Jurídica de Braga

A Sociedade Jurídica Portuense, com estatutos aprovados por portaria de 21 de Julho de 1835, instalou-se solenemente a 6 de Julho de 1836. Presidida pelo advogado nortenho Dr. Guilherme Teodoro Rodrigues. Da vida desta Sociedade quase nada se sabe, tendo tido vida bastante efémera.

A Associação Jurídica de Braga (AJB) viu os seus estatutos aprovados por portaria de 3 de Novembro de 1835, no reinado de D. Maria II. A Associação Jurídica de Braga teve como presidente e principal responsável pela sua fundação o Juiz de Direito da comarca de Braga, Dr. António Cardoso de Faria Pinto.

A actividade da AJB, nestes seus primeiros anos, vem referida na obra “Promptuário de Memórias Notáveis da Cidade de Braga”, obra manuscrita da autoria do Dr. Vieira Gomes, que poderá ser consultada no Arquivo Distrital de Braga.

Em 1953 a AJB foi restaurada por iniciativa dos responsáveis da revista portuguesa e brasileira, SCIENTIA IVRIDICA, que se começou a editar em Braga, em 1951, pela Livraria Cruz & Companhia. Nesse mesmo ano de 1953, o Ministro da Educação Nacional aprovou os seus Estatutos, que referem no artº 1 que o seu principal principal objectivo é “ congregar indivíduos, instituições e sociedades, que se dediquem ao estudo, progresso e difusão da Ciência e da Cultura jurídicas”. Foi este o propósito que levou à reorganização da “velha” Associação e que ainda hoje se mantém.


Bibliografia

  • CARVALHO, Fernando Martins de. 
    • Origens da Ordem dos Advogados em Portugal / Fernando Martins de Carvalho. – O analítico pertence ao vol. 2. – Artigo publicado na revista O Direito, ano 72, pág. 130. – Biblioteca Prof. Dr. Palma Carlos
  • LAMY, Sousa,
    • A Ordem dos Advogados portuguesa: história, órgãos, funções, Lisboa, OA, 1984
  • FARIA, Avelino de.
    • O elogio histórico dos precursores da Ordem dos Advogados / Avelino de Faria. – Lisboa : Minerva, 1953. – 16p. ; 24cm; Advoc/26 (BOA) – 5637
  • RIBEIRO, Luís da Silva
    • Notícia histórica da advocacia em Portugal. – Angra do Heroismo : Tipografia Editora Andrade, 1929. – 148p. ; 20cm. – Contém: apêndice com escritos forenses de advogados
  • LOPES CARDOSO, Augusto
    • Da Associação dos Advogados de Lisboa à Ordem dos Advogados : subsídios históricos e doutrinais para o estudo da natureza jurídica da Ordem dos Advogados / Augusto Lopes Cardoso. – Lisboa : Ordem dos Advogados, 1988. – 35p. ; 23cm.
    • Discurso proferido pelo Bastonário da Ordem dos Advogados, em 24.3.1988, na Sessão Comemorativa dos 150 anos sobre a fundação da Associação dos Advogados de Lisboa.
    • Separata da Revista da Ordem dos Advogados, A.48 n.1 (Abril 1988). Texto integral na ligação.