Séc. XX: As reconversões

Com o final do séc. XIX, terminaria o período de grande brilho e fausto deste Palácio onde se realizaram festas que, pela sua imponência, deram brado na Lisboa de oitocentos, e mm 1898 o imóvel sai em definitivo da posse da família Allen, sendo vendido a Francisco de Sousa Cruz.

Diversos proprietários e utilizações irão suceder-se ao longo do século que se inicia. Assim, em 1901, estava instalado no edifício o Teatro Eléctrico Mágico. Em Novembro deste ano encontra-se publicitada no Diário de Notícias a peça “Fantoches Articulados“.[1]

A partir do ano seguinte, funcionou no Palácio Regaleira o Liceu de S. Domingos, um desdobramento do Liceu do Carmo. O edifício Regaleira destinava-se aos cursos complementares dos 6º e 7º anos. Há notícia de terem frequentado este estabelecimento de ensino dois alunos que, mais tarde, se revelariam juristas ilustres: os Professores Paulo Merêa e Cabral de Moncada.

Como atestam as palavras de Appio Sottomayor, o edifício conheceu neste período as mais diversas utilizações:

“Aberto ao público pouco antes do 5 de Outubro de 1910, um outro cinema existiu (…) este no Largo de S. Domingos, a caminho da Calçada do Garcia e na confluência com as Escadinhas da Barroca e Pátio do Salema. O prédio que ainda hoje aí se ergue tomou o nome de Palácio Regaleira, por ter sido, no século passado, propriedade de D. Ermelinda Monteiro de Almeida, viscondessa da Regaleira. Aí existiu um clube de jogo ao qual foi posto, por motivos óbvios embora contestáveis, o nome de Clube Regaleira. Também lá esteve a Casa das Beiras (…) numa sala dessa prestigiada instituição regional, quem escreve estas linhas, então ainda com tenros anos, viu pela primeira vez representar, numa récita de caridade, a insigne actriz e escritora Aura Abranches (…) ora o cinema  que existiu no Palácio Regaleira tomou o nome pomposo de Rossio Palace. Lembra Félix Ribeiro que lá foi exibida, em Novembro de 1910, a primeira versão cinematográfica  da “ Phedra “, de Racine, filme italiano, realizado por Achile Consalvo. O Rossio Palace não vivia, porém, exclusivamente das peças cinematizadas dos autores clássicos (…) aqui se realizavam, para alguns espectadores escolhidos e pagantes, sessões com filmes pornográficos. Nas primeiras décadas do século, imagine-se (…) aqui não se fazia propaganda e as sessões especiais tinham lugar pela noite fora, depois dos espectáculos normais…”.[2]

Em 1933, na sequência da aprovação de uma proposta do Bastonário Dr. Barbosa de Magalhães, a Companhia de Tabacos de Portugal, a então proprietária, arrenda à Ordem dos Advogados o 1º andar do Palácio da Regaleira. O relatório de actividades relativo ao ano de 1934 refere o estado de degradação em que se encontrava o edifício, o que motivou um significativo atraso na realização das obras de recuperação.

Só em 24 de Maio de 1939 a nova sede da Ordem dos Advogados é inaugurada em cerimónia solene, presidida pelo Presidente da República, General Óscar de Fragoso Carmona:

Na larga mancha escura das togas, das becas e  das casacas, destacavam-se  os  capelos   vermelhos   dos   professores   catedráticos  de  Direito   –   drs.  Barbosa  de Magalhães, Beleza dos Santos, Fezas Vital, Jaime de Gouveia, Marcello Caetano, Paulo Cunha, Rocha Saraiva e Rui Ulrich“.[3]

Finalmente, por escritura de 26 de Janeiro de 1960, a Companhia de Tabacos de Portugal vende o Palácio Regaleira à Caixa de Previdência da Ordem dos Advogados, pelo preço de 11.000.000$00.

“A Caixa fora autorizada pelo Ministro da Justiça, por despacho de 22 de Dezembro de 1959, a realizar a compra. Embora o preço, atendendo ao rendimento, fosse muito avultado, a direcção da Caixa deliberou aceitá-lo dada a localização, a construção, a possibilidade de futura ampliação, o preço então dos terrenos e, essencialmente, pelo interesse e vantagem para a Caixa e para a Ordem“.[4]

Em suma, ao longo do século XX, estiveram instaladas no edifício as mais diversas instituições e estabelecimentos. Entre proprietários e inquilinos, é possível identificar os seguintes:

•          Teatro Eléctrico Mágico;

•          Liceu de S. Domingos;

•          Estabelecimento comercial denominado Vaccaria;

•          Cinema Rocio Palace;

•          Hotel (denominação não apurada);

•          Arthur Adriano Ayres, Lda.;

•          Clube Regaleira;

•          Casa das Beiras;

•          Companhia Portuguesa de Tabacos;

•          Armazém de roupas, Nogueira Viegas, Lda.;

•          Fotografia Electro Rápida, de Brito Gago Justel;

•          Estabelecimento de instrumentos musicais, de Larcher Castelo Branco;

•          Estabelecimento comercial de artigos de malha, de José Esteves de Almeida;

•          Empresa Portuguesa de Instalações Eléctricas, Lda.;

•          Estabelecimento de comércio de fruta, de Maria Fernandes de Almeida;

•          Estabelecimento de comércio de peixe, de Maria Fernandes de Almeida;

•          Estabelecimento de artigos de vestuário, Bazar Universal, Lda. de Orlando Silva;

•          Ordem dos Advogados Portugueses;

•          Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores.

Actualmente, o Palácio Regaleira é propriedade da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, encontrando-se aí instalada, também, a sede da Ordem dos Advogados.

No que diz respeito à traça arquitectónica exterior do edifício, tudo leva a crer que se mantenha igual desde meados do século XIX, altura em que terão sido efectuados amplos trabalhos de remodelação. Diversamente, o seu interior terá conhecido múltiplas e significativas intervenções, como resultado dos numerosos inquilinos que conheceu.

No  rés-do-chão destaca-se o belo e amplo átrio, com abóbadas apresentando sóbrios lavores artísticos. Referência especial, também, para dois interessantes painéis de azulejos, datados de inícios do século XX e para a larga escadaria de acesso aos pisos superiores.

O primeiro piso é, presentemente, ocupado pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados e pela Biblioteca cujas instalações se estendem à cave do edifício.

Ao cimo da escadaria, no segundo piso, sobressai o Salão Nobre, onde têm lugar as cerimónias de maior importância na vida da Instituição. Aqui encontra-se uma extensa galeria de pinturas, representando os diferentes Bastonários da Ordem dos Advogados. De salientar, igualmente, os belos frescos do tecto, de características oitocentistas.

Ainda neste piso, funcionam os serviços da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores.


[1] Diário de Notícias, 26.11.1901.

[2] A Capital, 9.9.1996

[3] Alberto Sousa Lamy, A Ordem dos Advogados, Lisboa, 1984, p. 58-59.

[4] Alberto Sousa Lamy, A Ordem dos Advogados, Lisboa, 1984, p. 91.