Vicente Rodrigues Monteiro - 1927-1929


POR Redação OA

“E creiam os novos, se algum me escuta, que sem os vagares de uma boa practica, ao entrar n’esta nossa dura e amarga vida de advogado, nada se consegue”

Vicente Rodrigues Monteiro

(Elogio Histórico de Abel Eduardo da Motta Veiga. Lisboa: Typ. de Christovão Augusto Rodrigues, 1900,p.6.)

O Dr. Vicente Rodrigues Monteiro nasceu a 25 de Setembro de 1847, num edifício da Rua de S. Filipe Nery, nº 2, em Lisboa, onde veio a falecer a 25 de Setembro de 1936, dia em que completava 89 anos.

Licenciou-se em Direito pela Universidade de Coimbra, em 31 de Maio de 1871, tendo tido por colegas de curso (1866-1871), entre outros, Júlio de Vilhena, Hintze Ribeiro e Eduardo Alves de Sá. Logo após a licenciatura iniciou a actividade no escritório do Dr. Abel Eduardo da Motta Veiga. Posteriormente abriu escritório na Rua do Crucifixo, nº 16- 1°, em Lisboa, tendo sido advogado da Casa Real e da Casa de Bragança, da Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses, do Banco de Guimarães, de várias companhias de seguros nacionais e estrangeiras e do Banco de Portugal, de cuja Assembleia Geral foi presidente. Profissionalmente acompanhou, ainda, a fusão da Companhia do Gás com a Companhia Lisbonense, que deu origem à Companhia Reunida do Gás e Electricidade.

Foram muitas as causas que patrocinou relacionadas com questões testamentárias, das quais se salientam as das heranças dos Visconde e Viscondessa de Valmor.

Ao longo da sua vasta carreira profissional desempenhou os cargos de Vogal do Conselho do Distrito de Lisboa, Presidente da Comissão Administrativa da Colónia Penal de Vila Fernando, Secretário do Tribunal do Comércio, Presidente da Secção de Jurisprudência da Sociedade de Geografia, Provedor do Asilo de Nossa Senhora da Conceição para Raparigas Pobres, membro da administração das Cozinhas Económicas, da Assistência Nacional aos Tuberculosos, de que foi um dos fundadores, e da Sociedade do Jardim Zoológico, de que foi, igualmente, fundador, e Director da Real Associação Central de Agricultura Portuguesa. De referir, também, que durante três décadas dirigiu a Companhia das Lezírias do Tejo e Sado.

Foi deputado pelo Partido Progressista nas legislaturas de 1887-89, 1905 e 1908-1910 e Governador Civil de Lisboa de 22 de Agosto a 12 de Outubro de 1880 e de 27 de Fevereiro a 9 de Dezembro de 1886.

Actividade na Associação dos Advogados de Lisboa

A 20 de Março de 1872, tinha então 24 anos, ingressou na Associação dos Advogados de Lisboa, onde desenvolveu a sua actividade ao longo de meio século, acompanhando diversas reformas legislativas e um dos períodos mais relevantes da história da Justiça e do Direito em Portugal.

Integrou a comissão eleita para emitir parecer sobre o Projecto do Código do Processo Civil (1876) e a comissão executiva do Congresso Jurídico realizado em 1889. Pertenceu, igualmente, à comissão nomeada para remessa de publicações de Direito à exposição que decorreu no Rio de Janeiro em 1893, organizada pelo Instituto dos Advogados Brasileiros, então a comemorar o seu 50° aniversário.

Em 1873, no elogio que apresentou do sócio Magalhães Costa, defendia já a necessidade da criação em Portugal de uma Ordem dos Advogados.

Com Paulo Midosi, Francisco Beirão, Franco de Castro e Alves de Sá, entre outros, fundou e colaborou na revista da Associação dos Advogados de Lisboa, Gazeta, publicação jurídica de grande relevância, iniciada em 1873, cuja direcção integrou entre 1874 e 1875.

Na conferência solene de 1877-78 leu a oração inaugural Interdição Civil do Condenado que, segundo o Bastonário Fernando Martins de Carvalho, muito teria influído na Reforma Penal de 1884.

Em 1899 iniciou as funções de Secretário da Associação dos Advogados de Lisboa, para cuja vice-presidência viria a ser eleito em 1916, ascendendo um ano depois à presidência.

Criação e instalação da Ordem dos Advogados

Em 1926, criada a Ordem dos Advogados, o Ministro da Justiça, Dr. Manuel Rodrigues, encarregou o Dr. Vicente Monteiro, então Presidente da Associação dos Advogados de Lisboa, da sua instalação, nos termos do Decreto nº 12 334, de 18 de Setembro.

Estabelecia este diploma, no seu art. 81°, que a inscrição na recém-criada Ordem dos Advogados tinha de ser requerida ao Presidente da Associação dos Advogados de Lisboa, organizando-se então os quadros provisórios respeitantes à área de cada Conselho Distrital, para posterior envio ao Ministério da Justiça, que as faria publicar em Diário do Governo. A 29 de Novembro de 1926 foram remetidos ao Ministério da Justiça os quadros provisórios com os nomes dos 1720 advogados requerentes.

Na qualidade de Presidente da Associação dos Advogados de Lisboa coube-lhe, ainda, diligenciar junto dos Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça, das Relações de Lisboa, Porto e Coimbra e do Juiz de Direito de Ponta Delgada para a cedência de salas nos respectivos tribunais, com vista à realização das Assembleias-Gerais e Distritais electivas dos primeiros órgãos da Ordem dos Advogados. A Assembleia-Geral, a que ele próprio presidiu, reuniu a 7, 8 e 9 de Abril e a 2 de Junho de 1927, na sala do Supremo Tribunal de Justiça, para eleição do Conselho Geral e dos membros do Tribunal Supremo da Ordem que, com a publicação do Estatuto Judiciário pelo Decreto nº 13 809, de 22 de Junho de 1927, passaria a designar-se Conselho Superior Disciplinar.

Aspectos relevantes do mandato (1927-1929)

O Conselho Geral eleito para este primeiro triénio, presidido pelo Dr. Vicente Monteiro, teve como Vogais os Drs. Mário Pinheiro Chagas,José Figueira de Andrade, João Catanho de Menezes,]osé Soares da Cunha e Costa, Carlos Ferreira Pires, Acácio Ludgero de Almeida Furtado, Orlando de Mello do Rego, José Pinto Loureiro, Abel Pereira de Andrade e Alberto Pinheiro Torres. A 12 de Outubro de 1928, para o preenchimento da vaga criada por falecimento do Dr. Cunha e Costa, foi eleito para o Conselho Geral o Dr. Arthur de Moraes Carvalho.

As atenções iniciais do Conselho Geral dirigiram-se, naturalmente, para questões de organização e logística.

A primeira sessão do CG realizou-se a 14 de Junho de 1927, por falta de sede própria, no escritório do Dr. Vicente Monteiro. A inscrição de candidatos ou advogados na Ordem dos Advogados, a instalação dos Conselhos Distritais e a sua articulação com o Conselho Geral, a organização das Delegações e a necessidade de defesa da classe face às disposições do Decreto da Reforma Civil e Comercial, para além, naturalmente, da questão da sede, que se impunha resolver com urgência, foram os temas centrais da primeira das sessões que, neste triénio, decorreram quinzenalmente.

Durante o primeiro ano do mandato o CG reuniu no escritório do Dr. Vicente Monteiro e, nos dois anos seguintes, na sua residência. Em 1929 o Bastonário iniciou negociações para a sublocação da sede da Associação dos Advogados de Lisboa à Ordem dos Advogados, tendo o contrato sido outorgado em 29 de Junho desse mesmo ano.

No que diz respeito às disposições do Decreto da Reforma Civil e Comercial foi cometido ao Dr. Cunha e Costa e ao Dr. Orlando Rego a preparação de um documento para reclamação junto do Ministro da Justiça sobre aspectos que entendiam limitar o exercício da profissão, nomeadamente “quanto à inquirição feita pelos juízes, projecto de fixação dos factos a submeter ao depoimento com insuficiente intervenção dos advogados, falta de garantia à indispensável intervenção d’estes no apuramento da prova a obter das testemunhas ( …) e limitação do tempo das alegações e mais violências e entorpecimento ao livre exercício da advocacia e da sua eficaz acção na descoberta da verdade”

O Estatuto Judiciário constante do Decreto nº 13 809, de 22 de Junho de 1927, e o novo Estatuto Judiciário aprovado pelo Decreto nº 15 344, de 10 de Abril de 1928, mereceram a atenção do Conselho Geral, que se pronunciou em defesa da classe. Quanto ao primeiro alertava-se o Ministro da Justiça para a necessidade de se corrigirem dois lapsos “referentes um à inscripção dos advogados nas secretarias do Supremo Tribunal e Relações e o outro deixando aos juízes poder disciplinar sobre os advogados que considerassem em falta no exercício das nomeações”•

A necessidade de definição de alguns aspectos considerados cruciais para o funcionamento da Ordem dos Advogados, designadamente no que concerne ao pagamento de quotas pelos advogados nela inscritos, levaram o Conselho Geral a dirigir ao Ministro da Justiça uma proposta de alterações ao Estatuto Judiciário, que conduziu à publicação do Decreto nº 16 536, de 26 de Fevereiro de 1929, o qual conferiu, em exclusivo, ao CG, a competência para fixar e cobrar quotas.

Durante este triénio o Conselho Geral manifestou-se também contra o decreto que extinguiu diversas comarcas, pronunciou-se sobre o direito à cobrança de honorários por advogados que eram simultaneamente militares e sobre os projectos de organização de Delegações da Ordem nas comarcas do Continente e Ilhas. A propósito desta última matéria foi decidido que as comarcas dos Açores ficariam todas agregadas à de Ponta Delgada, sede do Conselho Distrital. Durante este mandato foram constituídos os Conselhos Distritais de Lisboa, Porto, Coimbra e Açores e 53 Delegações.

A criação, pela Câmara Municipal de Lisboa, de uma taxa a aplicar aos escritórios de advogados gerou a indignação da classe e obrigou à intervenção do Bastonário, Dr. Vicente Monteiro, que interpôs recurso dessa deliberação, tendo obtido provimento por sentença lavrada pelo juiz da 2ª vara cível.

Em 1929 o Conselho Geral foi convidado pelo Ministro da Justiça a pronunciar-se sobre o projecto de alterações ao Decreto nº 16 007, que criou os Tribunais Colectivos Comerciais. No mesmo ano, e na sequência da promulgação da Reforma Tributária pelo Decreto nº 16 731, de 13 de Abril, o CG nomeou os delegados da Ordem às comissões repartidoras do Imposto Profissional.

No relatório do final do triénio pode ler-se: “Assim decorreu o tempo que vai de 1926 até ao presente com os trabalhos absorventes de pôr a funcionar uma nova instituição, que de tão longa data vinha sendo pedida, e que parece termos conseguido, procurando vencer as dificuldades inerentes à realização prática de um novo instituto que se propôs dar a uma classe numerosa e tão importante como a dos advogados uma organização que mais a prestigie e melhor lhe permita conseguir o seu tradicional fim de auxiliar a administração da justiça

Elogio histórico do Dr. Vicente Monteiro pelo Bastonário Fernando Martins de Carvalho

Em 1931 o Conselho Geral prestou homenagem ao Dr. Vicente Monteiro inaugurando o seu retrato a óleo, da autoria do pintor José Malhoa, e realizando, a 16 de Maio, uma sessão solene na qual o Bastonário Fernando Martins de Carvalho leu o Elogio do Doutor Vicente Rodrigues Monteiro. Sublinhando o seu carácter bondoso, realçou as suas qualidades de advogado e jurisconsulto.

“Para nós advogados, o nosso Decano, o primeiro Presidente do Conselho Geral, o antigo Presidente da Associação dos Advogados, é a tradição viva da classe, da Ordem. Semelhante tradição em ninguém podia encarnar mais nobremente do que em Vicente Monteiro, pela soberba e eloquente lição da sua longa, gloriosa e exemplar vida de jurisconsulto e advogado (…). Lídimo representante da Associação dos advogados, e da sua tradição nobilíssima, ao Dr. Vicente Monteiro cabia dejure edificar a Ordem, e bem assim, como seu primeiro Presidente, assegurar-lhe as necessárias condições de vida e de desenvolvimento (…). Vicente Monteiro pertenceu a uma geração privilegiada de legistas. Daí a segurança com que dava pareceres, requeria, alegava e discutia (…). Encerram as suas minutas lição eloquentíssima. Basta lê-las para se ajuizar exactamente do papel do advogado (…). Sobre todas as suas publicações, como sobre tudo quanto em matéria de Direito tem escrito ou dito, até em discussões e conversas de acaso, paira aquele espírito inconfandível de verdadeiro letrado, que só raros alcançam, e torna quanto eles escrevem e dizem em sapientíssimas lições de grandes mestres do Direito vivido” •

Razões de saúde impossibilitaram o Dr. Vicente Rodrigues Monteiro de estar presente na sessão solene em sua homenagem, não tendo, pois, sido possível fazer-lhe entrega da Grã-Cruz de Santiago com que foi agraciado pelo Presidente da República, pelo que, alguns dias depois, os membros do Conselho Geral se deslocaram à sua residência para lhe entregar aquelas insígnias

Fundo Bastonário Vicente Rodrigues Monteiro (1847-1936)

Este acervo documental foi doado à Biblioteca pela Neta do primeiro Bastonário, a D. Maria Filomena Monteiro de Andrade e Sousa, representada pelo Dr. Tiago Andrade e Sousa, Trineto do Bastonário Vicente Monteiro. A documentação foi tratada e organizada entre Agosto e Setembro de 2007. O Fundo Bastonário Vicente Rodrigues Monteiro (1847-1936) é constituído por 134 documentos – textos dactilografados, manuscritos, fotografias, correspondência, pareceres jurídicos, documentação diversa relativa a processos judiciais e jornais – com datas compreendidas entre 1827 e 1936. As diversas informações sobre este fundo documental (inventário, plano de classificação, condições de acesso, etc.) encontram-se disponíveis para consulta nas páginas da Biblioteca, na Internet

Texto: Maria João de Figueiroa Rego in “Os Bastonários da Ordem dos Advogados Portugueses”

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