Sá Nogueira - 1945-1947


POR Redação OA

“Foi criada a Caixa de Previdência da Ordem dos Advogados, grande aspiração que quasi todos consideravam irrealizável. Foi o resultado duma fé e tenacidade que serão dificilmente avaliadas”


António Emídio da Silva Sá Nogueira

O Dr. António Emídio da Silva Sá Nogueira nasceu em Rio Maior, a 23 de Março de 1891, e faleceu a 7 de Abril de 1976.

Licenciou-se em Direito pela Universidade de Coimbra a 6 de Agosto de 1912, iniciando de imediato o exercício da advocacia.

Reputado jurista, eram-lhe também reconhecidos a sua vasta cultura e dotes de oratória. Segundo o Dr. Sousa Lamy, o Dr. António Sá Nogueira, “Ligado à Oposição ao Estado Novo, era chamado o bengalário da Ordem, por andar sempre de bengala”.

Uma das suas primeiras obras foi a monografia Do Divórcio na sua dissertação de concurso para professor assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa apresentou um estudo teórico e prático sobre Actos de Comércio. Publicou, ainda, diversos artigos na Gazeta da Relação de Lisboa e noutras revistas jurídicas.

Na Ordem dos Advogados foi Vogal do Conselho Geral nos triénios de 1930-1932 e 1939- 1941, Vogal do Conselho Superior no triénio de 1933-1935 e Bastonário de 1945 a 1947.

Aspectos relevantes do mandato (1945-1947)

O Dr. António Sá Nogueira tomou posse do cargo de Bastonário a 4 de Janeiro de 1945. Colaboraram consigo, no Conselho Geral, por eleição, os Drs. Adelino da Palma Carlos, Adolfo de Andrade, Alberto Navarro, Fernando de Castro, Fernando Caetano Pereira e José de Azeredo Perdigão e, por sua nomeação, nos termos do Estatuto Judiciário publicado no ano anterior, os Drs. Adolfo Bravo, Alfredo Simões Travassos, Arnaldo Constantino Fernandes, Aurélio Proença e José Gomes Paredes.

Na primeira sessão do Conselho Geral, realizada a 10 de Janeiro, foram distribuídos os seguintes cargos e pelouros: 1° Vice-Presidente e Tesoureiro – Dr. Fernando Caetano Pereira; 2° Vice-Presidente e Pelouro dos Conselhos Distritais e Delegações – Dr. Alberto Navarro; Secretários – Dr. Constantino Fernandes e Simões Travassos; Pelouro dos Serviços Internos e Biblioteca – Dr. Adolfo Bravo; Congresso Jurídico e Pelouro Cultural – Dr. Azeredo Perdigão; Pelouro da Assistência – Dr. Adolfo de Andrade; Pelouro da Previdência – Dr. Fernando de Castro e Revista da Ordem – Dr. Adelino da Palma Carlos.

Em 1946, com a saída do Dr. Caetano Pereira, foi eleito Vice-Presidente o Dr. Adolfo de Andrade, passando as funções de tesoureiro a ser desempenhadas pelo Dr. Albano Ribeiro Coelho, eleito para o Conselho Geral a 9 de Janeiro.

Em 1945 o número de advogados inscritos no quadro da Ordem aumentou de 1768, registados no ano anterior, para 1830 e, no ano seguinte, para 1840, havendo 121 candidatos.

Entre os muitos pareceres emitidos, mediante consulta ao Conselho Geral, são de realçar os que incidiram sobre o estágio, em particular no caso dos candidatos em exercício de funções de sub­delegados do Ministério Público; exercício da advocacia por Conservadores do Registo Civil, Juízes de Julgados dos Municípios e notários fora da sua comarca; o exercício da advocacia e as funções de Presidente de Câmara Municipal; uso do trajo profissional pelos advogados provisionários; inscrições na Ordem dos Advogados; imposto profissional; incompatibilidades; nomeações oficiosas; competência da Ordem para intervir em processos crime como parte ou assistente; a definição de Procuradorias Judiciais ou Similares.

Em 1945 foi publicado o “Regulamento do Estágio dos Candidatos e da Advocacia perante o Supremo Tribunal de Justiça”  e aprovada pelo  Conselho Geral a proposta de alteração ao Regulamento Disciplinar apresentada pelo Dr. Paulo Cancella de Abreu, Vogal do Conselho Superior, visando abreviar o julgamento dos processos pendentes.

O Conselho Geral, presidido pelo Dr. Sá Nogueira, manteve-se fiel ao princípio defendido no relatório de 1945, no qual o Bastonário declarava: “O Conselho Geral está decidido e firmemente disposto a defender as imunidades e ditos dos seus colegas, e, com êste propósito, tem agido. E, seguindo uma velha e simpática tradição, que esperamos se mantenha sempre, tem dado assistência aos seus colegas que dela necessitem, ainda por motivos estranhos à profissão, e, em muitos casos, por uma maneira eficaz“.

O Conselho Geral interveio em situações de elevado melindre por envolverem presos políticos e em que o papel do advogado fora posto em causa, com manifesto desrespeito pelo exercício da profissão. Num deles, ocorrido na Guarda, estando o cliente preso, o advogado, notificado para entregar umas listas com assinaturas que lhe tinham sido confiadas por aquele, acabou, também ele, preso e incomunicável por ter recusado a entrega sem autorização prévia do seu constituinte. Os documentos viriam a ser apreendidos numa busca ao escritório.

O Conselho Geral tomou posição em defesa do colega que agira no estrito cumprimento da lei, tendo deliberado dar conhecimento da situação ao Ministro da Justiça, protestar junto do Ministro do Interior “contra as ilegalidades cometidas, e pedir-lhe a apreciação das devidas sanções” e, ainda, “instaurar processo judicial por abuso de autoridade contra o responsável, ou responsáveis, solicitando previamente, ao delegado da Ordem, na Comarca da Guarda, os elementos indispensáveis a esse fim” • Este caso e um outro, ocorrido na mesma data, em Braga, de contornos semelhantes, justificaram várias sessões do Conselho Geral, algumas extraordinárias. A condução do assunto não foi fácil, tendo suscitado algum melindre junto do Ministro da Justiça. O Bastonário declarou-se, na ocasião, “decidido e .firmemente disposto, pela sua parte a ir até onde devesse ir, na defesa dos direitos e imunidades dos seus colegas, considerando-se sem direito a ocupar o lugar que ocupava se assim não procedesse; mas que entendia também que era preciso agir com tôda a circunspecção e cautela visto o assunto, embora que independente dele ter origem numa questão de natureza política e estarem em jogo os mais altos interesses da Ordem e ainda para que ninguém tivesse o mínimo pretexto para sugerir que não se tratava apenas de obter uma justa reparação”.

Em Abril de 1947 o Conselho Geral viu-se obrigado a reagir perante o sucedido com o seu Vogal Dr. Fernando Castro, advogado de um estudante universitário preso no Aljube que foi desrespeitado depois de ter procurado, insistentemente, ter conhecimento do teor do despacho proferido sobre um requerimento, por si apresentado, para libertação do preso, com termo de identidade ou pagamento de caução. A acção do Bastonário mereceu um voto de louvor “pela forma inteligente como superiormente orientou as diligências referentes ao incidente“, e pelo qual se interessara, igualmente, o Dr. Paulo Cancella de Abreu, Vogal do Conselho Superior.

O Conselho Geral deliberou, na sessão realizada a 19 de Junho de 1947, “Oficiar ao Director da Polícia Internacional e de Defesa do Estado, no sentido de que, em face do disposto no parágrafo único do artigo trezentos e cinco da Reforma Prisional, seja permitido aos representantes da Ordem visitar os Colegas presos”.

Na sessão inaugural do Instituto da Conferência, realizada a 5 de Fevereiro de 1945, afirmou o Bastonário: “O actual Conselho Geralda Ordem está empenhado numa larga obra de cultura e prestígio da classe, e um dos meios mais seguros de realizar essa obra consiste no funcionamento do Instituto da Conferência. O Conselho liga a êste Instituto e aos seus trabalhos a mais alta importância e, por isso, resolveu escolher para presidir a êsses trabalhos um dos mais eminentes jurisconsultos portugueses, o Sr. Doutor Barbosa de Magalhães”.

Ao longo do último ano do triénio o Instituto da Conferência promoveu 23 sessões, nas quais foram tratadas matérias como “O Princípio da autonomia da vontade e as cláusulas limitativas da responsabilidade civil” e “O Projecto de lei sobre o inquilinato“, respectivamente pelos Drs. Azeredo Perdigão e Tito Arantes.

O novo ciclo de “conferências de alta cultura” foi iniciado, em 1945, numa sessão solene presidida pelo Presidente da República, no decorrer da qual o palestrante, Dr. Júlio Dantas, Presidente da Academia das Ciências, abordou o tema Unidade da Língua Portuguesa.

O relatório do Conselho Geral de 1946 destaca a conferência do Prof. Doutor José Gabriel Pinto Coelho, professor da Faculdade de Direito e Reitor da Universidade de Lisboa, sobre “A Responsabilidade civil pelo dano moral”.

Em 1947 realizaram-se diversas conferências por jurisconsultos estrangeiros, entre os quais o Prof. Gil Robles, da Faculdade de Direito de Salamanca – “Juristas y Absolutistas”, o Doutor Reyes Morales, daJunta do Governo do Ilustre Colégio de Advogados de Madrid – “A Legislação social espanhola”, o decano Redslob, da Faculdade de Direito de Estrasburgo

– “O Problema da paz” e o Dr. Mendez Puig, diplomata argentino – “A legislação social argentina”.

Em 1946 mais uma vez ficou por atribuir o Prémio Alves de Sá. Nem mesmo o aumento do valor pecuniário foi suficiente para seduzir candidatos. Para o ano de 1947 foi escolhido o tema “Métodos de interpretação e fontes do Direito”.

Do Pelouro da Biblioteca estava encarregue o Dr. Adolfo Bravo que, em 1945, aproveitando uma ida a Madrid, assinou um contrato com duas editoras espanholas de livros de Direito, a Editorial Reus e a Editorial Revista de Derecho Privado. O contrato previa a oferta de um exemplar de cada obra de Direito e Economia editadas, mediante a contrapartida da publicação de anúncios de livros na Revista da Ordem dos Advogados.

Com o fim da guerra e à medida que retomavam a publicação, foi sendo recuperada a assinatura de diversas revistas estrangeiras.

A Biblioteca da Ordem dos Advogados recebeu, entretanto, um valioso espólio com a oferta dos livros de Direito, 2032 volumes,  que haviam pertencido à biblioteca do Conselheiro José Luciano de Castro, feita pelas suas filhas.

Com o objectivo de contribuir para um melhor conhecimento do meio jurídico em Portugal, especialmente no que dizia respeito aos seus interventores, e no interesse da classe, foi dado início à obr] Jurisconsultos Portugueses do Século XIX, cujo primeiro volume, dos três previstos, foi publicado em 1947. Nos considerandos da proposta apresentada ao Conselho Geral, entendia o Bastonário ser “de grande utilidade prática a divulgação de um desenvolvido trabalho de conjunto sobre os jurisconsultos portuguêses, cujos méritos e virtudes devam apontar-se como exemplo à geração presente e às gerações vindouras, e de modo especial sobre os jurisconsultos do século dezanove”. Considerava, ainda, “que além desse aspecto utilitário, uma tal obra pode recomendar-se como o melhor monumento comemorativo de eminentes valôres que louvavelmente consumiram tôda ou a maior parte da sua actividade ao serviço do Direito e da Justiça“. Esta obra, definida na proposta como essencialmente bio-bibliográfica, não deveria ultrapassar três volumes, de 500 páginas cada. Para a sua organização e direcção foi convidado o Dr. José Pinto Loureiro, advogado e jurisconsulto, a quem competiria escolher os colaboradores, devendo a tarefa ser concluída em dois anos.

A Caixa de Previdência, aspiração antiga da Ordem dos Advogados, foi uma das prioridades do Conselho Geral que, durante este triénio, preparou e apresentou ao Ministro da Justiça o projecto do Decreto-lei n°36 550, de 22 de Outubro de 1947, que a instituiu.

Congratulando-se com tão importante realização e com o seu significado para a classe, disse, a esse propósito, o Dr. Sá Nogueira: “grande aspiração que quasi todos consideravam irrealizável. Foi o resultado duma fé e tenacidade que serão dificilmente avaliadas; o Conselho Geral sente-se compensado porém de todos os seus esforços com a ideia de ter contribuído para libertar, no futuro, da miséria muitos dos seus colegas” • Em termos orçamentais, “com a criação da Caixa de Previdência pelo Decreto-lei n° 36 550, e pelas alterações ao Código das Custas e Estatuto Judiciário, pelo Decreto-lei nº 36551, as receitas do Conselho Geral foram muito cerceadas, ficando exclusivamente reduzidas a metade das quotas cobradas, uma vez que a percentagem que lhe era atribuída pelo art. 0 243° do Código das Custas, deixa de pertencer-lhe, assim como desaparece a receita proveniente dos rendimentos dos papéis de crédito pertencentes ao Conselho Geral, pois estes, como os saldos dos anos anteriores, revertem para o Fundo de assistência e para um Fundo de Reserva

O Bastonário Sá Nogueira visto pelo Prof. Doutor José Maria Vilhena Barbosa de Magalhães

Na sessão inaugural dos trabalhos do Instituto da Conferência, de 5 de Fevereiro de 1945, dizia no seu discurso o Presidente deste Instituto, Prof. Doutor José Maria Barbosa de Magalhães, dirigindo­-se ao Bastonário António Sá Nogueira: “quero agora, mais uma vez e publicamente, endereçar os meus mais sinceros cumprimentos e manifestar a minha satisfação por vê-lo nêsse lugar que justamente alcançou, quer pela maneira nobre e distinta como exerceu a sua profissão, quer pela sua grande cultura e exuberante talento, quer ainda pela dedicação que sempre dispensou à Ordem dos Advogados, contribuindo energicamente para a utilidade e prestígio desta instituição”.

Texto: Maria João de Figueiroa Rego in “Os Bastonários da Ordem dos Advogados Portugueses”

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