Mário Raposo - 1975-1977


POR Redação OA

“A Ordem dos Advogados, embora apartidária e politicamente descomprometida, cabe uma significativa tarefa na institucionalização da democracia”

Mário Raposo

O Dr. Mário Ferreira Bastos Raposo nasceu em Coimbra, a 15 de Janeiro de 1929 e faleceu em Lisboa, a 2 de Outubro de 2013.

Licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra, em 1952, inscreveu-se na Ordem como candidato à advocacia a 14 de Agosto do mesmo ano e como advogado em 17 de Novembro de 1955.

Em texto datado de 2012, intitulado “Advocacia – Uma Perspectiva”, contava: “logo em Novembro de 1955 instalei – em conjunto com o Alçada Baptista – um escritório na Rua Anchieta. Recordo o «cuidado» do dono da oficina que fazia as tabuletas em só aceitar a encomenda depois de eu lhe exibir a minha cédula profissional de Advogado. Achou-me com «ar» de «candidato à advocacia» como então eram (mal)  designados os advogados estagiários”.

Foi Ministro da Justiça nos III, VI, IX e X Governos Constitucionais liderados, respectivamente, pelo Eng.º Nobre da Costa, Dr. Francisco Sá-Carneiro, Dr. Mário Soares e Prof. Doutor Cavaco Silva.

Em Junho de 1974 integrou a Comissão da Reforma Judiciária, criada pelo Ministro Salgado Zenha junto do Supremo Tribunal deJustiça.

Deputado na Assembleia da República entre 1979 e 1990, presidiu à Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

Entre ]unho de 1990 e Dezembro de 1991 desempenhou o cargo de Provedor de Justiça. Presidiu ao Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, à Secção Portuguesa da Comissão Internacional de Juristas e, no triénio de 1988-1991, ao Instituto Ibero-Americano de Direito Marítimo.

Foi Conselheiro de Estado e membro do Conselho Superior do Ministério Público e membro titular do Comité Maritime International e do Tribunal Internacional Permanente de Arbitragem (Haia).

Membro efectivo da Academia da Marinha, foi também sócio honorário do Instituto dos Advogados Brasileiros e da Associação Jurídica de Braga.

Foi condecorado com a Grã-Cruz da Ordem do Mérito Judiciário Trabalhista do Brasil, em 26 de Agosto de 1985 e, em Portugal, com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique, em 10 de Junho de 1990.

Autor de vasta obra, em grande parte dedicada ao Direito Marítimo, que pode ser consultada na Biblioteca da Ordem dos Advogados, dizia: “Ninguém duvidará que ser advogado é muito mais do que uma actividade materializada em resultados; é um estado de espírito, uma assunção ética, uma personalizada relação de fidelidade a um núcleo de princípios e de regrasfundacionais”.

Integrou o Conselho Geral da Ordem dos Advogados no triénio de 1972-1974 e foi eleito Bastonário para o triénio de 1975-1977, em eleição pela primeira vez realizada por sufrágio universal, tendo sido também director da Revista da Ordem dos Advogados em 1977. Com uma carreira dedicada ao Direito, à Justiça e à Advocacia expressou, no discurso que proferiu no II Congresso dos Advogados Portugueses, realizado em Lisboa, de 19 a 22 de Dezembro de 1985, um pensamento que traduz bem a sua vida, afirmando: “ter sido um motivo de honra e de nunca interrompida dignidade o fazer parte do grande e generoso espaço humano que é a advocacia”.

Aspectos relevantes do mandato (1975-1977)

O Dr. Mário Raposo presidiu ao Conselho Geral composto pelos Drs. João Paulo Cancella de Abreu, Vice-Presidente, João Maria Araújo Correia, Vice-Presidente, António Sampaio Caramelo, Secretário, José Manuel Coelho Ribeiro, Tesoureiro, e Alberto Jordão (filho), António Baptista Guedes, João de Almeida, José de Carvalho Rodrigues Pereira, José Rodrigues Rosmaninho, ]osé de Sousa e Silva e Rui Polónio de Sampaio, Vogais.

Ainda em 1975 foram eleitos para o Conselho Geral, na sequência do pedido de escusa dos Drs. António Sampaio Caramelo e José Rodrigues Rosmaninho, a Dra. Maria Clara Lopes e o Dr. Carmindo Ferreira, eleito em 1977 2° Vice-Presidente, na sequência da saída do Dr. João Paulo Cancella de Abreu.

O Dr. Mário José Marques Mendes integrou o Conselho Geral a 26 de Novembro de 1976.

O Bastonário Mário Raposo assumiu o mandato numa fase crucial do Portugal democrático, em que à Ordem, nas suas palavras, “apartidária e politicamente descomprometida”, caberia um importante papel na institucionalização da democracia. A seguir a um período de legitimidade revolucionária impunha-se o exercício do poder do Estado à luz do Direito, assente em princípios e valores humanistas.

Afirmava o Bastonário, no seu discurso de tomada de posse: “Uma visão prospectiva e descristalizada do Direito, como meio para a concretização dum Estado de Justiça Social, não afogará e antes reivindicará com maior premência a presença constante do princípio da legalidade, estruturado no império da lei, na criação desta pela vontade do Povo (e o Povo será a universalidade viva dos cidadãos) e na realização material e efectiva dos direitos e das liberdades fundamentais”

“O fulcro da sociedade democrática” – acrescentava – “estará no respeito pelo ordenamento jurídico”.

Para a Ordem reivindicava um papel interventivo. Não lhe bastava actuar no momento da aplicação, ou não, das leis; tinha de contribuir também para a sua elaboração. Não sendo solicitada a sua intervenção, o que o Bastonário acreditava não viesse a acontecer, deveria a Ordem tomar a iniciativa. Quanto aos advogados, entendia serem “os mais aptos mediadores entre as elaborações tecnicistas e a vida, palpitante de dramas e aspirações”

Até meados dos anos 70 o acesso à Justiça era encarado essencialmente do ponto de vista da assistência judiciária. A partir dessa altura a questão ganhou, porém, novos contornos, e passou a ser abordada no quadro de uma política de acesso ao direito, designação então adaptada. Sobre este assunto, aduzia o Bastonário: “numa sociedade democrática, há um direito que condiciona e viabiliza o exercício de todos os outros: o direito aos direitos

Os novos tempos traziam consigo a discussão de matérias relacionadas com o direito penal, com a questão do divórcio e com uma série de temas que, pela sua actualidade, careciam de debate, discussão essa que lhe parecia oportuno fazer-se no Instituto da Conferência. “O direito processual penal, que sempre constituiu, nos anos do fascismo, um ponto escaldante e uma constante preocupação da Ordem terá de continuar a sê-lo, quando as circunstâncias o impuserem. Às técnicas de privação da liberdade- que poderão pôr em crise o direito do homem à segurança pessoal – estará a Ordem particularmente atenta”.

As possíveis ligações e eventual colaboração de advogados com a extinta PIDE foram objecto de averiguação, deliberando o Conselho Geral que, nos casos em que houvesse provas irrefutáveis, deviam os visados ver cancelada a sua inscrição na Ordem.

O primeiro ano do triénio obrigou o Conselho Geral a dedicar particular atenção a questões que se prendiam com as liberdades e garantias individuais numa democracia reticente que despertava, igualmente, o interesse de diversas organizações internacionais de direitos humanos. Assim, foram estabelecidos contactos com a Amnistia Internacional, e em particular com a Comission Internationale des Juristes, cujos secretários gerais, respectivamente, Martin Ennals e Niall MacDermont, se deslocaram a Portugal. Ambos foram recebidos na Ordem, que os pôs ao corrente da situação vivida no país. Niall MacDermont proferiu, a 15 de Julho de 1975, uma conferência acerca do “Estado de Direito e a Protecção dos Direitos do Homem”.

Durante esse ano foram vários os advogados e juristas estrangeiros que vieram a Portugal e visitaram a Ordem, entre eles Marc de Kock, Presidente da Liga Belga para a Defesa dos Direitos do Homem e o Prof. Giuseppe de Vergonttini, da Universidade de Bolonha.

A Ordem dos Advogados, por sua vez, fez-se representar pelos Drs. Armando Adão e Silva e Inácio Fiadeira no 10° Congresso da Associação de Juristas Democratas, realizado a 26 de Abril de 1975, em Argel, pela Dra. Maria da Conceição Homem de Gouveia e Sousa no Congresso de Mulheres Juristas que decorreu entre 10 e 17 de Maio, em Varna, na Bulgária e pelo próprio Bastonário na reunião internacional dos advogados de Berlim (RFA), em Novembro de 1975. O Dr. Mário Raposo deslocou-se, também nesse ano, a Genéve, a convite de Niall McDermont, para visitar a sede da Comission Internationale desJuristes.

O Dr. Angelo d’Almeida Ribeiro foi convidado a assumir a vice-presidência da Union Internationale des Avocats (UIA) bem como a presidência da Comissão de Relações Internacionais composta, ainda, pela Dra. Maria da Conceição Homem de Gouveia e Sousa, Dr. António Serra Lopes e Dr. Coelho Ribeiro.

Para representar o Bastonário na reunião da Comissão Internacional de Juristas, que se realizou em Viena, em Abril de 1977, foi designado o Dr. Coelho Ribeiro.

De importância relevante foi a criação na Ordem da Comissão dos Direitos do Homem, presidida pelo Dr. Armando Adão e Silva. A acção desta comissão, conjugada com a do Conselho Geral, terá sido, segundo o Bastonário, determinante para a criação da comissão para averiguação das violências cometidas sobre presos sujeitos às autoridades militares, para a qual, a pedido do Conselho da Revolução, foram indicados três advogados.

Foram, ainda, constituídas a Comissão Permanente para estudo e emissão de pareceres sobre diplomas ou projectos de diploma, a Comissão de Reforma do Estágio e do Regulamento Interno da Ordem dos Advogados, composta pelos Drs. João de Almeida, Alberto Jordão, Sousa e Silva e João Paulo Cancella de Abreu e, finalmente, a Comissão de Reforma do Estatuto do Advogado, a funcionar no Porto, presidida pelo Dr. Polónio de Sampaio.

Para a Comissão de Reforma Judiciária junto do Supremo Tribunal Administrativo foram indicados os Drs. José Rodrigues Pereira e José Robin de Andrade.

Em 1975 a direcção da Revista da Ordem dos Advogados foi confiada ao Dr. Jorge Santos e a presidência do Instituto da Conferência de Lisboa ao Dr. José de Sousa Brito. Para coordenar as actividades dos institutos da Conferência foi convidado o Dr. José de Sousa Pereira. Na presidência da Caixa de Previdência, o Dr. Alberto Baptista de Abreu sucedeu ao Dr. Xencora Camotim.

Nesse mesmo ano o Bastonário publicou duas separatas da Revista. Uma com a comunicação que apresentou, a 13 de Julho, naquela que foi a primeira sessão conjunta dos institutos da Conferência, subordinada ao tema “O Direito, a Advocacia e a Sociedade Socialista”; outra com o discurso proferido a 8 de Outubro, na presença do Ministro e do Secretário de Estado da Justiça, com o tema “os Advogados, a Justiça e o País” que, como dizia o Dr. Mário Raposo, continha palavras difíceis de dizer e até de ouvir.

Em 1977 o Dr. Mário Raposo teve o ensejo de expressar, mais uma vez, opinião sobre a advocacia, defendendo que: “Numa sociedade livre só poderá haver advogados livres e independentes, na mais firme das independências, que é a da razão e a da consciência”.

No primeiro ano do mandato realizaram-se duas assembleias plenárias de advogados, a 17 de Maio, em Lisboa e a 12 de Julho, em Coimbra.

O Conselho Geral foi consultado por inúmeros advogados e enfrentou dificuldades relacionadas com o contrato colectivo de trabalho dos empregados forenses. Foram também vários os organismos e associações jurídicas estrangeiros que se lhe dirigiram, a todos atendendo apesar do condicionamento imposto pela conjuntura nacional. Num período de natural agitação política e social o Bastonário fez um apelo ao consenso, afirmando: “Não se pode apenas querer a paz entre os «blocos imperialistas». É urgente que, mais comezinhamente, se promova a paz e a solidariedade entre os portugueses-nos locais de trabalho, nas escolas, na família. Já não como imperativo ético, pois isso para muitos nada significará. Mas como razão de sobrevivência de todo um povo”

De 2 a 30 de Junho de 1975 realizou-se na sede da Ordem dos Advogados, no âmbito do Instituto da Conferência, um seminário sobre Marx, orientado pelo Doutor Marcos Lutz-Muller. Em 1977 o mesmo Instituto organizou, em colaboração com o Departamento de Teoria do Direito da Faculdade de Direito de Lisboa e sob orientação do Dr. José de Sousa Brito, um seminário sobre “Teoria das Normas e Sistema ]urídico: de Bentham a Dworkin”.

De assinalar, igualmente, a realização, a 26 deJunho de 1975, do colóquio promovido pelo Conselho Geral sobre “Justiça e Administração em França”, no qual foram oradores o Dr. Armando Bacelar, Secretário de Estado da Justiça, o Conselheiro Dr. João de Deus Pinheiro Farinha, Procurador-Geral da República, o Conselheiro Dr. Rui Guimarães, Vice-Presidente do Supremo Tribunal Administrativo e o Conselheiro Dr. Eduardo Arala Chaves, do Supremo Tribunal de Justiça.

Tendo em consideração a projecção alcançada pelo Gabinete de Consulta Jurídica, foi deliberado solicitar à Caixa de Previdência uma sala para a sua instalação, e regulamentá-lo por forma a que o serviço fosse prestado a quem, efectivamente, dele necessitasse. A crise política e de regime do final do ano de 1975 levou o Bastonário e o Conselho Geral a publicar, na véspera do 25 de Novembro, no jornal A Luta, um comunicado, que aqui se reproduz por ser elucidativo quanto ao papel da Ordem e à visão do Bastonário sobre o PREC e sobre a situação da Justiça em Portugal:

“1. Os «Julgamentos Populares» ocorridos nos últimos dias no Tribunal da Boa Hora e no Palácio da Justiça, em Lisboa, inserem-se numa evidente manobra de destruição das estruturas judiciárias e do Direito no nosso País, que prossegue na sua célere marcha para a ruína moral e económica e para o ponto de ruptura do equilíbrio social. A liberdade, a segurança individual, a normalidade da vida e os direitos do Homem continuam a ser quotidianamente agredidos e os horizontes de um socialismo viável, coerente e susceptível de criar, a curto prazo, um clima de concórdia e de bem-estar estão a ser cerceados na razão directa dessa continuada agressão.

A crise de autoridade, em vez de ser enfrentada, está a ser invocada, com um fatalismo conformista, pelos responsáveis, ao mais alto nível, pelos destinos do País, como preocupante explicação de desmandos que nenhuma sociedade civilizada poderá consentir. E se é certo que a recuperação da autoridade não deverá ser processada através de um autoritarismo excessivamente centralizante, não menos certo é que também não será tolerável um absentismo que, a intensificar-se, se converterá em condenável apatia ou em cumplicidade, mesmo involuntária.

A gravidade desta conjuntura sobe de grau quando se assiste à propagação desse fatalismo conformista ao próprio povo – que é a carne e o espírito do País. Começa a instalar-se nele a ideia de «inevitabilidade» da guerra civil como se esta constituísse um facto banal e não uma tragédia colectiva, que a todos os portugueses atingiria e ensanguentaria.

Há que ter a consciência, concreta e realista, de que os momentos que se vivem serão decisivos para o futuro de Portugal. Urge encontrar soluções pacíficas para os problemas que nos afectam.

Ora todas elas passam pelo respeito pela legalidade e pela dignificação dos Tribunais.

2. É este Conselho Geral frontalmente contrário a uma justiça censitária ou elitista, remanescente de um capitalismo a ultrapassar. Mas recusa-se a aceitar que ela possa ser superada por uma justiça rotulada de «popular», radicada nos instintos, nas manipulações sectárias e na agressividade,.firmada no antidireito e administrada por «juízes» cujo anonimato apenas se começa a desvendar pela sua presença significativamente coincidente em todos os surtos de demagogismo que têm vindo a sobrepor-se ao normal funcionamento dos Tribunais e à actuação dos magistrados e dos funcionários judiciais.

Há um fio condutor, ideológico e humano, a ligar situações distanciadas no tempo e no espaço, como as ocorridas a quando do julgamento de José Diogo, do roubo do processo na 6ª Vara Cível de Lisboa e dos incidentes verificados nos tribunais do Barreiro, Benavente, Montijo, Moita, Olhão, Vila Franca de Xira e muitos outros.

Nem valerá, de resto, a pena particularizar todos os casos que estão a transformar a justiça portuguesa – nervo-motor de uma sociedade possível – numa farsa, que só actua quando certos extremismos incongruentes e oportunísticos permitem que ela actue.

Uma vez mais este Conselho Geral adverte os seus concidadãos que a revolução não se cumprirá na anarquia e no descrédito das próprias leis revolucionárias. Todo o ordenamento jurídico – a modificar gradualmente ao ritmo das transformações sociais necessárias – será o garante da construção de uma sociedade socialista, polarizada na liberdade, no pluralismo e na convivência democrática.

A Ordem dos Advogados, cujo passado é de luta por uma justiça independente, não instrumentalizada pelo Poder Político e objectivada no respeito pelos direitos do Homem, mantém-se coerente e empenhada na institucionalização de um verdadeiro estado de Direito e de Justiça Social. Só que nem sempre a sua voz é ouvida no presente, como também o não foi no passado. Mas mesmo que ela se perca no deserto da indiferença ou colida com os «revolucionarismos» delirantes e de fresca data e tinta mal seca, entende dever significar:

a)         Que o Conselho da Revolução, o Governo e, em especial, o Ministério da Justiça, encontrarão nela franca cooperação, quando esta for solicitada e enquanto os objectivos a atingir se situarem nos parâmetros da verdade democrática e de uma bem doseada compatibilização da disciplina social com a liberdade e com a inarredável dignidade da pessoa humana, agente e destino da colectividade.

b)         Que a chamada «Justiça Popular», tal como vem a ser concebida no nosso País, constitui o fermento de novas e perigosas formas de opressão e de aviltamento de todos os cidadãos, mesmo daqueles que, como «robots», a vêm, por má fé ou inconsciência a protagonizar – não encontrando hoje sequer paralelo em qualquer país, mesmo nos designados por «socialistas».

c)         Que aos magistrados e aos funcionários judiciais deve ser restituída a perdida autoridade, eficácia operacional e disponibilidade de espírito, o que apenas será conseguível através de uma actuação firme e disciplinada das Forças Armadas, empenhadas como deverão estar na concretização de uma democracia pluralista liberta de primarismos ou de propósitos de apossamento do País por uma minoria detentora, a coberto de ficções ideológicas ou de meras aparências «populistas», de novos poderes ditatoriais.

d)         Que os princípios consignados na Declaração Universal de 1948 e demais convenções internacionais sobre a protecção dos direitos do Homem deverão encontrar efectiva aplicação, sem reticências de circunstância ou deformações sectárias”.

Em 1976 continuavam as dificuldades relativas à inscrição de candidatos à advocacia, dadas as condições em que alguns alunos, nomeadamente da Faculdade de Direito de Lisboa, tinham obtido o diploma. Certos documentos comprovativos de licenciatura patenteavam irregularidades difíceis de ultrapassar e de aceitar, como por exemplo a obtenção de todas as cadeiras do curso num só ano. Em risco estava o exercício da advocacia, com a consequente degradação da profissão e prejuízo para a Ordem que, em defesa da classe, deliberou encarregar o Dr. Baptista Guedes de elaborar um diploma de regularização provisória do estágio. Posteriormente foi enviado um comunicado para a imprensa e para o Ministério da Justiça, acompanhado de um projecto de diploma legal acerca das novas condições e normas para a inscrição na Ordem dos Advogados.

No ano seguinte o problema das inscrições foi incluído na agenda da assembleia plenária realizada na sede da Ordem, no dia 23 de Abril de 1977. Em discussão esteve, igualmente, o tema do estágio, sobre o qual o Bastonário opinava em artigo publicado na Revista da Ordem dos Advogados: “Considero o actual sistema de estágio profissionalizante inoperante e socialmente negativo. (…) A reforma do estágio tem estado, porém, a meu ver, condicionada pela reforma da Universidade e pela estabilização e normalização da vida universitária”.  A modernização da Ordem e a abertura aos jovens advogados constituíam metas a atingir num curto prazo. Defendia, a este propósito, “a actualização das estruturas da Ordem, designadamente uma tendencial regionalização, sempre, claro está, na moldura de uma orgânica nacional unitária”.

Outra matéria sensível respeitava aos advogados regressados das antigas províncias ultramarinas, na sequência do processo de descolonização. Foi deliberado prestar auxílio aos advogados em dificuldades, através do Fundo de Assistência.

Por solicitação do Ministro da Justiça foi nomeado, em 1976, para a Comissão de Reforma da Lei de Execução de Penas e Medidas de Segurança, o Dr. Rodrigo Santiago.

No relatório de 1976 o Bastonário dava conta das dificuldades sentidas para a convocação da Assembleia-Geral da Ordem. Não tinha sido possível convocá-la nos termos do Estatuto Judiciário por este estar desactualizado, ter sido rejeitado pela grande maioria dos advogados e, por no final do triénio anterior, se não ter procedido à eleição de delegados. Por outro lado, os delegados que compunham a anterior Assembleia haviam renunciado aos cargos. Também não era possível proceder a nova eleição por sufrágio directo porque o Decreto-Lei nº 572/74, de 31 de Outubro, estabelecera este método apenas para a eleição dos corpos directivos da Ordem. O Conselho Geral, na tentativa de resolver o problema, submeteu à apreciação do Ministro da Justiça o projecto que esteve na génese do Decreto-Lei nº 61/76, de 23 de Janeiro.

No ano seguinte foi publicado o Decreto-Lei nº 382/77, de 10 de Setembro, que manteve o sistema de eleição dos órgãos representativos da Ordem nos termos previstos no Decreto-Lei nº 572/74, ou seja, por sufrágio directo. Na origem deste diploma esteve o projecto elaborado pelo Bastonário e aprovado pelo Conselho Geral.

O último ano do triénio decorreu numa fase da vida política nacional menos conturbada, embora a questão dos direitos humanos continuasse a servir de mote a muitas das conferências realizadas na sede da Ordem.

Foi dada continuidade aos contactos internacionais com congéneres estrangeiras, entre as quais as do Brasil, Áustria, Bélgica, Paris e Genéve. O Presidente da Ordem dos Advogados de Bucareste, Dr. Ion Para, foi, inclusive, recebido numa sessão do Conselho Geral. Intensificaram-se as relações com algumas organizações internacionais, entre as quais a Comission Internationale des Juristes, de cuja secção portuguesa foi Presidente o Bastonário e a quem sucedeu o Dr. Angelo d’Almeida Ribeiro, e estabeleceram-se novos contactos com outras associações estrangeiras, como a Fédération Internationale des Droits de L’Homme.

A Lisboa e à Ordem deslocaram-se em visita e para apresentação de conferências vários juristas e advogados estrangeiros, que abrilhantaram muitas das sessões organizadas na sede da Ordem dos Advogados, as quais, pela sua relevância no aprofundamento do conhecimento doutras realidades jurídicas, aqui se enumeram.

Merece particular destaque a reunião do Comité Executivo da Association International des Jeunes Avocats em que participaram 43 advogados de países como a Alemanha (RFA), Áustria, Espanha, Inglaterra, Itália, Jugoslávia, Suíça e Tunísia, quando era Vice-Presidente para Portugal o Dr. António Meireles.

O Presidente da International Bar Association (IBA), Dr. Werner Deuchler foi convidado pela Ordem dos Advogados para uma conferência, que teve lugar em Março, sobre “A Advocacia e o Mercado Comum”. A IBA agrupava, na altura, 80 organizações e contava cerca de 4000 membros individuais. Sobre esta iniciativa realçava o Bastonário: “De registar que no relatório semestral depois publicado no International Bar Journal o Dr. Deuchler viria a considerar tal visita como um dos três actos mais significativos da sua actividade na IBA nesse período.”

Em Abril e Maio do mesmo ano de 1977 realizaram-se duas conferências na Ordem dos Advogados, nas quais foram intervenientes o advogado belga Claude Serge Aronstein, que abordou o tema “As Assembleias Parlamentares, Portugal e a Liberdade” e Paul Sieghart, advogado inglês, presidente executivo deJustice, a secção inglesa da Comission Internationale desJuristes, e do British Institute ofHuman Rights, que se pronunciou sobre “Os Direitos do Homem num Estado Democrático”.

Em Outubro foi recebida uma missão de mais de meia centena de juristas belgas que incluía advogados, professores e magistrados. Na sessão então organizada o Dr. António Maria Pereira apresentou uma comunicação sobre o regime legal dos investimentos estrangeiros em Portugal, seguida de debate.

A fechar o ano seria a vez do jurisconsulto francês, Prof. Henri Mazeaud, se pronunciar sobre “Les Noveaux divorces de la loi française”.

A Ordem dos Advogados esteve representada nas actividades jurídicas do Conselho da Europa e no 27° Congresso da Union Internationale des Avocats (UIA), no qual o Bastonário foi eleito Vice-Presidente, e que contou com a presença do Dr. Sá Carneiro de Figueiredo como relator nacional. Manteve-se também a tradicional presença da Ordem dos Advogados na sessão solene da Conferência do Estágio, em Paris, a que se deslocou o Dr.Jorge de Abreu, que representou, igualmente, a Ordem, nesse ano de 1977, em idêntica cerimónia em Roma.

No relatório do último ano do triénio considerava o Dr. Mário Raposo relevante o estreitamento de laços com a magistratura, realçando o contributo do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Conselheiro Almeida Borges, e do Procurador-Geral da República, Conselheiro Arala Chaves.Já em final de mandato o Bastonário foi convidado a apresentar, na sala das sessões do Supremo Tribunal de Justiça, uma conferência sobre a “Vida Privada e o Direito”, à qual assistiram cerca de duas centenas de magistrados.

A Ordem dos Advogados promoveu com a Associação dos Magistrados Judiciais um ciclo de conferências de que se destaca a comunicação sobre “Organização Judicial e Advocacia”, apresentada pelo Dr. Lucas Pires. O imposto profissional, a advocacia de empresa e as questões relacionadas com a deontologia e independência da profissão, a inscrição dos licenciados e a dignificação da advocacia foram temas em foco no final do triénio.

O Bastonário Mário Raposo visto pela Bastonária Maria de Jesus Serra Lopes

No texto de homenagem ao Bastonário Mário Raposo, intitulado “O Bastonário certo na hora incerta”, publicado no Boletim da Ordem dos Advogados, em 201313, a Bastonária Maria de Jesus Serra Lopes recordou o Advogado, o Bastonário, o Ministro e o Homem.

“Era um estudioso do Direito. Investigava profundamente e não descansava enquanto não conhecesse o que de mais recente tivesse sido publicado. Um Advogado para quem nada menos do que a excelência bastava. Quantas vezes, nos últimos tempos, ao receber obras suas, admirei a coragem eforça de alma que o Jaziam prosseguir, quando reveses sérios de doença aconselhariam que repousasse sobre a obra realizada”.

A propósito do exercício do cargo de Bastonário, para qual foi eleito em 1975, sendo até essa data o mais jovem a assumi-lo, afirma no mesmo artigo:

“Dizia o Bastonário Coelho Ribeiro que a Ordem teve, em cada momento, o Bastonário certo. Repensando a actuação do Bastonário Mário Raposo, relendo o que escreveu durante o seu mandato à frente da nossa Ordem – o conturbado período de 1975 a 1977 – e lembrando tantos dos episódios que então ocorreram, não posso deixar de concordar, pelo menos no que a Mário Raposo diz respeito. (…) Como lhe deve ter pesado o cargo…

Só o seu fino trato, inteligência, saber, afabilidade e simpatia, em suma a elegância com que se conduzia na vida, lhe terão permitido superar com brilho tão diflcil prova.

Ministro da Justiça quatro vezes, Provedor de Justiça, deputado, conselheiro de Estado, além de muitos outros prestigiados cargos (…) todos exerceram com competência e elevação. (…)Tinha uma paixão, que partilhava com a da Ordem dos Advogados, a obra do filósofo e poeta Unamuno. Quantas vezes, incitando-me a candidatar-me, disse: ‘Parafraseando Unamuno, dói-me o corpo da Ordem.”

Texto: Maria João de Figueiroa Rego in “Os Bastonários da Ordem dos Advogados Portugueses”

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