Domingos Pinto Coelho - 1936-1937


POR Redação OA

“E, antítese absolutamente inaceitável que, para julgar de direito, o Tribunal haja sempre de esforçar-se em justificar desenvolvidamente as razões do que julga; e para julgar defacto o Tribunal se julgue liberto de toda a justificação”


Domingos Pinto Coelho

O Dr. Domingos Pinto Coelho nasceu a 8 de Outubro de 1855, em Lisboa, cidade onde viria a falecer a 14 de Julho de 1944.

Filho e neto de conceituados advogados, respectivamente Dr. Carlos Zeferino Pinto Coelho de Castro e Dr. Francisco Pinto Coelho de Castro, licenciou-se em Direito na Universidade de Coimbra, em 1876. Iniciou a sua actividade profissional em Lisboa, no escritório paterno, no Largo do Carmo, n°20-2º, abrindo, mais tarde, escritório na Rua Ivens.

A exemplo do pai, em 1876 foi eleito sócio da Associação dos Advogados Portugueses.

Foi advogado da Companhia das Águas de Lisboa, empresa de que o pai fora fundador e presidente da Direcção, patrocinou a Companhia dos Caminhos de Ferro da Beira Alta, o Conde de Burnay num célebre caso que envolveu as Companhias dos Fósforos e dos Tabacos, o Cardeal Patriarca de Lisboa, D. António Mendes Belo, por suposta infracção à Lei da Separação e interveio em casos relacionados com os testamentos da Condessa de Camarido e do Visconde de Valmor, entre outros, ilustrativos dos seus longos 70 anos de causídico.

Interessado pela agricultura, dirigiu o jornal A Época, periódico relacionado com o sector, foi

director da Associação Central de Agricultura, participou no Congresso Agrícola realizado em Lisboa, em Fevereiro de 1888, e colaborou na elaboração da lei sobre cereais, de 14 deJulho de 1899.

Vários jornais do seu tempo, entre os quais O Portugal, Novidades, A Nação e A Voz, beneficiaram da sua colaboração. Assinava os seus artigos sobre matérias tão diversas como política, sociedade, economia e religião, com o pseudónimo de “A. de F. “.

Sucedeu, interinamente, a João Franco, no cargo de Auditor do Contencioso Fiscal da 2ª Instância, tendo então elaborado o Manual de Processo do Contencioso Fiscal que entrou em vigor por decreto de 8 de Junho de 1894 e que viria a ser publicado, em separata, pela Imprensa Nacional.

No plano político, mais uma vez a exemplo do pai, e também do avô, assumia-se como legitimista, tendo feito parte da última lugar-tenência de D. Miguel II. O “seu modo de ser político-religioso”, expressão adaptada pelo Dr. Madeira Pinto no seu elogio histórico, fê-lo viver momentos difíceis depois de 1910, chegando a ser preso por diversas vezes. Foi Presidente do Conselho Superior nos triénios de 1930-1932 e de 1933-1935 e eleito, com 81 anos, Bastonário para o triénio de 1936-1938, que não chegaria, porém, a completar, por motivos de saúde, resignando a meio do mandato, em 17 de Maio de 1937.

O Dr. Domingos Pinto Coelho e a Associação de Jurisconsultos Católicos Portugueses

A 28 de Fevereiro de 1934 o Dr. Domingos Pinto Coelho, à época Presidente do Conselho Superior, fundou a Associação dos Jurisconsultos Católicos Portugueses, com sede no Campo dos Mártires da Pátria, nº 43 e alvará de 20 de Novembro de 1934, e integrou a sua comissão organizadora, da qual também faziam parte os Drs. Abel Andrade, Luís Maria Lopes da Fonseca, António Bourbon e Alberto Pinheiro Torres. Entre os sócios fundadores constavam, ainda, nomes de advogados conceituados como José de Almeida Eusébio, Carlos Zeferino Pinto Coelho e António de Sousa Madeira Pinto.

Constituía objecto desta associação – da qual podiam fazer parte todos os diplomados em direito que professassem e praticassem a religião católica – a harmonização da moral católica com o exercício da profissão, intensificando “a cultura do Direito e nomeadamente dos princípios do Direito cristão”3 e, ainda, “Pugnar por que à luz destes princípios sejam resolvidas as questões relativas quer ao direito internacional, quer ao direito político, quer ao direito privado, e dum modo geral os de carácter social e orientar nesse sentido a opinião jurídica

Para a prossecução dos seus fins a associação propunha-se organizar periodicamente conferências de formação religiosa, conferências jurídicas, reuniões de estudo e congressos de jurisconsultos católicos. Dos Estatutos constava, igualmente, a intenção de, logo que possível, publicar uma revista jurídica e o estabelecimento de relações com associações congéneres no estrangeiro, nomeadamente no Brasil, França e Espanha. Para tanto estabeleceria um secretariado geral “sob cuja direcção funcionará logo que as circunstâncias o tornem possível, uma Assembleia Jurídica que se proporá:

a)         Dar aos organismos de Acção Católica e de Acção Social, os elementos de informaçãojurídica de que careçam.

b)         Facilitar aos mesmos organismos as diligências que tenham deJazer nas repartições públicas.

c)         Organizar por todos os meios legítimos a defesa do clero, das instituições eclesiásticas e das associações católicas.

d)         Velar pela defesa dos bons costumes.

e)         Assumir, quando for possível, a defesa de órfãos, viúvas e pobres e, especialmente, das classes trabalhadoras”

A Direcção, composta por um Presidente, um Secretário e um Tesoureiro, eleitos em Assembleia-Geral, integrava ainda um Assistente Eclesiástico, nomeado pelo Cardeal Patriarca de Lisboa. Resta acrescentar que esta associação, que obedecia ao plano geral da Acção Católica, foi constituída sob o patrocínio de Santo António.

Aspectos relevantes do mandato (1936-1937)

O Dr. Domingos Pinto Coelho presidiu ao Conselho Geral composto pelos Drs. Mário Pinheiro Chagas, Vice-Presidente, Álvaro Belo Pereira, Tesoureiro, Fernando Caetano Pereira, Secretário, Álvaro Lino Franco, Augusto Vítor dos Santos, Fernando Lopes, Jaime de Gouveia, José Francisco Teixeira de Azevedo,]osé Gualberto de Sá Carneiro e Manuel dos Santos Lourenço, Vogais.

Os laudos sobre honorários, uma das competências do Conselho Geral, foram objecto de avaliação e análise logo na sua primeira sessão, uma vez que era patente e notória a pouca importância que estavam a merecer dos tribunais, o que causava algum desconforto à Ordem dos Advogados, que por essa razão sentia minimizada a sua acção.

Outros temas centrais tratados neste triénio foram os do já então clássico problema da quotização, sobretudo no que dizia respeito à cobrança de quotas em atraso, exercício da advocacia por advogados não inscritos na Ordem, emissão de cédulas profissionais e taxa do imposto profissional.

Dada a necessidade do reforço da acção do Conselho Superior Disciplinar, e de modo a garantir uma maior eficácia e eficiência deste órgão, foram efectuadas diligências junto do Ministro da Justiça com vista à prorrogação e ampliação dos seus poderes. A pretensão da Ordem não podia ter tido

melhor acolhimento no Decreto-lei nº 26 918, de 24 de Agosto de 1936, que introduziu, além do solicitado, “providências de eficácia para habilitar o Conselho Superior Disciplinar a manter ordem, quanto possível perfeita no funcionamento dos organismos do nosso Instituto”

No primeiro semestre de 1936 realizaram-se diversas conferências, entre as quais as proferidas pelo Dr. Faria de Vasconcelos – Relações entre a inteligência e a delinquência nos adolescentes (19 de Fevereiro); Prof. Doutor Beleza dos Santos – Regime Prisional (1 de Maio); Dr. João Elói – Polícia Judiciária (15 de Maio); Dr. Adolfo Bravo – Responsabilidade Social: o conceito da responsabilidade no Código Civil (29 de Maio), Dr. Botto de Carvalho – Paraíso Perdido – conferência sobre o divórcio (5 de Junho) e Dr. Caetano Gonçalves, Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, sobre Crimes e Contravenções (19 deJunho).

Para o estudo e elaboração do projecto do Código de Processo Civil, organizado pelo Prof. Doutor José Alberto dos Reis, foi criada uma comissão, presidida pelo Bastonário Domingos Pinto Coelho, composta pelo Dr. Santos Lourenço, Prof. Doutor Jaime de Gouveia e Dr. Sá Carneiro.

Por falta de verba não se publicou o Boletim, nem foram adquiridas publicações para a Biblioteca, a propósito da qual escrevia o Bastonário, no relatório de 1936: “ainda assim, presta já valioso auxílio aos estudiosos. Tem sido consultada por cerca de 200 leitores, sendo certo que, de muitos, por serem da casa, se não toma registo”.

Neste mandato, divergências quanto à obrigatoriedade de inscrição de todos os membros da Ordem dos Advogados na tão ambicionada quanto difícil de concretizar Caixa de Previdência, impediram, uma vez mais, a sua fundação. Mais alguns anos viriam a ser necessários para que este sonho se convertesse em benéfica realidade.

No relatório de 1936 o Dr. Domingos Pinto Coelho sublinhava a sua acção junto do Ministro da Justiça, a propósito de advogados presos, dizendo:

Repetidas vezes tem o signatário recorrido a S. Exa quer para apressar o julgamento de advogados presos por motivos políticos, quer para lhe solicitar outras providências de natureza análoga.

É sempre recebido sem tardança e ouvido com interêsse, embora nem sempre as pretensões hajam podido ser plenamente atendidas”. Sob proposta do Dr. Caetano Pereira, o Conselho Geral criou a Medalha da Ordem dos Advogados, tendo sido aprovados quatro modelos destinados aos membros da Ordem dos Advogados, aos membros dos Conselhos Distritais, aos Vogais do Conselho Geral e ao seu Presidente (Bastonário). Por iniciativa do Dr. Caetano Pereira, a medalha do Dr. Domingos Pinto Coelho foi oferecida pelos colegas do Conselho Geral.

O elogio histórico do Dr. Domingos Pinto Coelho apresentado pelo Dr. António de Sousa Madeira Pinto

À semelhança do sucedido com os Bastonários que o antecederam, também o Dr. Domingos Pinto Coelho foi objecto de uma homenagem prestada pelo Conselho Geral em sessão solene, durante a qual o Dr. António de Sousa Madeira Pinto apresentou o seu elogio histórico, posteriormente publicado na Revista da Ordem dosAdvogados.

Ao mencionar a sua qualidade de Senador e de Vice-Presidente do Senado e ilustrando o seu modo de ser que qualificava como “político-religioso“, o Dr. Madeira Pinto referia o facto de, numa intervenção, o Dr. Domingos Pinto Coelho ter aludido à necessidade de se “ir pensando no após-guerra, porque mesmo os vencedores, pela repercussão da catástrofe .ficariam vencidos” sendo fundamental “a união de todos os portugueses em volta de um princípio, que, para ele, devia ser a ideia de Deus; mas tinha que reconhecer com tristeza que os tempos não corriam propícios para ser esse o fulcro da união; que então ela se fizesse em torno da ideia da Pátria, personificada na pessoa do Chefe de Estado.

Mas não fossem julgar por esta referência que abdicara das suas ideias políticas, logo prevenia: ‘Não o digo por política, não tenho feitio áulico, tenho passado a minha vida na oposição, no ostracismo mais completo, Continuei depois de 1910 oposicionista como antes, e longe de mim a ideia, nesta altura da vida, de mudar de orientação”‘ª.

Sobre a sua passagem pelo Senado, refere o Dr. Madeira Pinto dois momentos que revelam o carácter do elogiado. Um, a propósito da proposta apresentada por Machado Santos para amnistiar todos os delitos de natureza política, social e religiosa, que mereceu de imediato a sua adesão em nome dos católicos; outro, o da sua manifestação de repulsa pelo atentado que vitimou Sidónio Pais.

“Domingos Pinto Coelho foi sempre o mesmo: em religião, medularmente católico; em política,

indefectivelmente (e inofensivamente, podemos dizer) miguelista. Nunca conheceu o que Plínio Salgado chamou ‘o conúbio aviltante da afirmação e da negação, do Sim e doNão”

Sobre a sua qualidade de jurista e advogado, afirmava: “Os trabalhos jurídicos de Pinto Coelho distinguiam-se por uma notável clareza, seguro domínio dos textos legais, exegese erudita que patenteava a sua sólida cultura profissional, dialéctica convincente

E, a concluir, o elogio:

“Advogado distinto, que durante 70 anos exerceu a profissão com o maior aprumo e que dentro dela ascendeu ao mais alto cargo; cultor da música, jornalista, polígrafo, inabalável e intransigente nas suas crenças religiosas e nas suas opiniões políticas – Domingos Pinto Coelho é modelo que pode apontar-se aos que abracem a nossa profissão e bem mereceu esta homenagem. A Ordem dos Advogados, promovendo-a, saldou a dívida de gratidão que a classe para com ele contraíra”. Na mesma sessão o Dr. Pedro Pitta, a quem coube o elogio do Dr. José Maria Barbosa de Magalhães, pai do Bastonário Barbosa de Magalhães, manifestando a sua consideração pelo Dr. Domingos Pinto Coelho, confessou que também ele gostaria de ter feito o seu elogio. “Seria de um Republicano que partiriam as palavras de justiça para esse Monárquico inconformável com a própria Monarquia constitucional, sempre apegado ao seu Deus e ao seu Rei, à sua Crença e à sua Fé”.

Texto: Maria João de Figueiroa Rego in “Os Bastonários da Ordem dos Advogados Portugueses”

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