Arthur de Moraes Carvalho - 1948-1950


POR Redação OA

“Bem sabemos que nos cumpre colaborar, fora de toda a política, com os Poderes Públicos, designadamente com o Governo e os Tribunais.

Havemos de fazê-lo com respeito, mas também com dignidade. Sem independência da nossa parte, tal colaboração não valeria a pena ser prestada, nem deveria merecer a consideração de ser aceite”

Arthur de Moraes Carvalho

O Dr. Arthur de Moraes Carvalho nasceu em Lisboa, a 22 de Janeiro de 1884, e faleceu nesta cidade a 15 de Janeiro de 1960. Filho e neto de advogados, seu pai, Alberto António de Moraes Carvalho, foi deputado, Presidente da Câmara dos Pares e Ministro da Justiça e da Fazenda. O avô, Alberto António de Moraes Carvalho, foi Par do Reino e Ministro da Justiça.

Seguindo a tradição familiar licenciou-se em Direito, pela Universidade de Coimbra, a 19 de Junho de 1905, mas foi em Lisboa que iniciou o exercício da profissão, no escritório do pai, na Rua do Ouro, onde foi colega do Dr. Lopes Vieira2, instalando-se, posteriormente, na Rua Nova do Almada, nº 64 – 2°.

Partidário da Causa Monárquica, foi eleito deputado em 1922, pelo círculo de Lisboa. Nos últimos 25 anos da sua vida viveu, porém, afastado da política activa, dedicando-se em exclusivo à advocacia.

Colaborou com a Associação dos Advogados de Lisboa de que foi, durante muitos anos, Primeiro Secretário.

Integrou o Conselho Geral nos triénios de 1927-1929 e 1939-1941, o Conselho Superior no triénio de 1936-1938 e foi eleito Bastonário em 1948.

Aspectos relevantes do mandato (1948-1950)

O Dr. Arthur de Moraes Carvalho tomou posse do cargo de Bastonário a 7 de Janeiro de 1948. Os cargos e pelouros ficaram distribuídos, no triénio, pelos Drs. Adolfo Andrade, 1° Vice­ Presidente, Adelino da Palma Carlos, 2° Vice-Presidente e Director da Revista da Ordem dos Advogados, Albano Ribeiro  Coelho, Tesoureiro, Arnaldo  Constantino  Fernandes  e  Alfredo  Simões  Travassos, Secretários, Azeredo Perdigão, serviços culturais, Adolfo Bravo, Biblioteca e serviços internos, Fernando de Castro, Caixa de Previdência e Amaral Barata, Conselhos Distritais e Delegações e Assistência. Aos Drs. Aurélio Proença e José Paredes que pertenciam, respectivamente, aos distritos forenses do Porto e Coimbra, não foram distribuídos pelouros por se encontrarem a maior parte do tempo ausentes da sede.

Além dos laudos sobre honorários, o Conselho Geral pronunciou-se sobre matérias diversas, entre as quais as relativas a inscrições na Ordem dos Advogados de delegados do Procurador da República, funcionários do quadro do Ministério das Colónias em licença na metrópole, chefes de secretaria da Polícia Judiciária e espanhóis licenciados em Portugal; tempo de estágio; exercício da advocacia e possíveis incompatibilidades; exercício da advocacia por portugueses diplomados nas faculdades brasileiras, notários, conservadores e funcionários da Junta de Província, Governadores Civis substitutos e advogados que integrassem o quadro dos Grémios das Lavouras; dispensa de segredo profissional e imposto profissional.

O Conselho Geral, sobretudo no primeiro ano do mandato, lutou com sérias dificuldades financeiras que se reflectiram, designadamente, no desenvolvimento da sua actividade cultural, que o Bastonário dizia ser “primacial para a Ordem, para o seu prestígio, para a sua projecção externa, para a elevação do nível intelectual da classe dos advogados”,  mas que se mostrava tão útil quanto dispendiosa. A própria Revista da Ordem dos Advogados sofreu atrasos na sua publicação em virtude da exiguidade de verbas.

A Caixa de Previdência, uma mais valia para a Ordem e aspiração antiga concretizada no triénio anterior, não iniciou a sua acção por falta de regulamentação, daí resultando, em grande parte, a crise financeira que o Conselho Geral atravessou. “O Fundo de Assistência, que pelo Decreto-lei nº 36 550 devia passar aficar a cargo da Caixa de Previdência por êle criada, continua apesar sôbre o Conselho Geral. E, no entanto, este viu as suas receitas diminuídas em atenção àquela prevista, mas não efectivada, transferência de responsabilidades. Continuou, pois, o Conselho Geral com os encargos, mas sem as correspondentes compensações”.

A situação melhoraria ,todavia, no ano seguinte, com a publicação do Decreto-lei nº 37 247,de 27 de Dezembro, e com o aumento das quotas de 15$00,25$00 e 30$00,para a taxa uniforme de 40$00.

Com o intuito de conseguir a rápida entrada em funcionamento da Caixa de Previdência, o Conselho Geral criou uma comissão, presidida pelo Dr. Fernando de Castro e composta, ainda, pelos Drs. Caetano Pereira, Ribeiro Coelho, Constantino Fernandes e Álvaro Alexandre, para elaboração do projecto de Regulamento, cuja inexistência constituía o último obstáculo. Este projecto foi enviado ao Ministro da Justiça, numa primeira versão, em Maio de 1948.

No relatório de 1949, o Bastonário salientava a obrigatoriedade de inscrição na Caixa de Previdência de todos os membros da Ordem que exercessem a profissão e que não tivessem mais de 50 anos de idade, e o seu carácter facultativo para os que tivessem entre 50 e 70 anos. Os advogados com mais de 70 anos, idade mínima de reforma, podiam então requerê-la. Quanto aos benefícios destacava a atribuição de pensões, mínimas ou normais, de reforma aos 70 anos ou, antes dessa idade, por invalidez, e do subsídio, igual para todos os associados, de 5.000$00 atribuído, por morte, aos familiares, em prestação única.

O verdadeiro entrave à publicação do Regulamento residia na fixação do valor da quota a pagar pelos sócios.

Em 1948, o Vogal Dr. Álvaro Amaral Barata foi encarregue da revisão dos Regulamentos da Ordem dos Advogados.

O Conselho Geral pronunciou-se por diversas vezes, ao longo do triénio, sobre o exercício de cargos e funções públicas que considerava incompatíveis com a advocacia. A este propósito referia o Dr. Moraes Carvalho:

“Impõe o Estatuto Judiciário ao Conselho Geral a defesa dos direitos e imunidades dos advogados. Surgem, por vezes, inevitáveis atritos com os Poderes Públicos, mas as soluções acabam sempre por encontrar-se quando de parte a parte há boa vontade.

No decurso deste ano [1948] a Ordem manteve-se intransigente na defesa da incompatibilidade, reconhecida pelo E. J. (artigo 562° n. 0 6D) entre o exercício da profissão e as junções de autoridade administrativa e por isso recusou sempre a inscrição, entre outras, de presidentes de câmaras municipais.

Pugnou, com extrema correcção mas com ardor, pelo seu ponto de vista”.

Com igual vigor se pronunciou o Conselho Geral em matéria de procuradoria judicial ou similar, tomando, conjuntamente com o Conselho Distrital de Lisboa, uma posição que viria a ser contrariada pela Procuradoria-Geral da República com o aval do Ministro da Justiça, e da qual, firme no seu propósito, o Conselho Geral interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo. Todavia, a publicação do Decreto-lei nº 37166,de 17 de Novembro, invalidou o esforço, já que a tese da PGR ganhava, assim, força de lei. De acordo com a interpretação dada por este DL ao art.0 515°,do EJ, não se consideravam escritórios de procuradoria judicial ou similares os serviços de contencioso e consulta jurídica que se destinassem a facilitar a defesa, mesmo judicial, dos interesses legitimamente associados.

Este diploma continha outros preceitos relativos à Ordem no que dizia respeito à recusa de patrocínio do réu pelo defensor oficioso, ao abandono de patrocínio, quer pelo defensor oficioso, quer pelo constituído e, ainda, às infracções disciplinares cometidas por advogados que constituíssem, também, infracção à disciplina nos serviços e actos judiciais. A propósito das disposições impostas sobre estas matérias pela nova legislação realçava, o Bastonário, que o diploma tinha resolvido “em todos esses casos, no sentido de o julgamento passar a ser feito pelo Conselho Superior Judiciário, em sessão de secção, com a intervenção, com direito a voto, do Presidente do Conselho Superior e do Presidente da Ordem dos Advogados. Em todas essas prescrições – quer quando se restringe a incompatibilidade anteriormente estabelecida, quer quando se admitem certas procuradorias judiciais, quer quando o poder da Ordem se reparte com terceira pessoa, seja embora o Conselho Superior Judiciário – o Conselho viu atingidos os interesses da mesma Ordem e por isso o seu protesto não deixou de manifestar-se” •

E o seu protesto manifestou-se, igualmente, a propósito de situações que envolviam a prisão política de advogados. Dessa acção dava conta o Bastonário, no relatório de 1949, ao referir o acompanhamento dado a “qualquer colega preso por motivos políticos” e à intercessão ”junto dos Poderes Públicos pelo rápido esclarecimento e apuramento dos factos, o que por vezes tem levado a pôr-se termo à prisão.

Injustiça seria calar que os representantes da Ordem têm sido recebidos sempre com penhorante deferência”.

Em 1948, em reunião conjunta do Conselho Geral e Conselho Distrital de Lisboa foi escolhido para presidir ao Instituto da Conferência o Dr. Adelino da Palma Carlos.

A actividade do IC, neste triénio, teve início a 22 de Novembro de 1948, com a conferência apresentada pelo Prof.  Doutor Taborda Ferreira sobre as “Primeiras observações críticas ao decreto­ lei nº 37 047, de 7 de Setembro de 1948″.

Das 10 sessões do Instituto da Conferência promovidas em 1949 importa destacar os relatórios apresentados pelos Prof. Doutor Taborda Ferreira – “Primeiras observações críticas ao Decreto-Lei nº 37047, de 7 de Setembro de 1948“- , Dr. Alberto Xavier- ” Contratos colectivos de trabalho“- , Dr .Jaime Azancot- “Exequibilidade das decisões arbitrais proferidas no estrangeiro”

– e Dr. Adriano Moreira- “Aspectos da tutela penal na economia”. Em discussão esteve, também, a revisão do Código Civil.

Finalmente, em 1950, é de assinalar o relatório apresentado pelo Prof. Doutor Barbosa de Magalhães sobre a “Revisão do Código Civil, a autonomia do direito comercial e o problema da codificação”.

Das conferências realizadas em 1948 merecem especial relevo as que tiveram por oradores o Dr. Alberto Xavier, sobre “O Fundamento do Direito, a natureza da função jurisdicional, a missão do julgado na vida jurídica contemporânea“ª; o Prof. Doutor Marcelo Caetano, com “O Respeito pela legalidade e a Justiça das Leis” e o Dr. Waldemar Ferreira sobre “O conteúdo económico da Constituição brasileira de 1946

No ano seguinte a Ordem dos Advogados recebeu em sessão solene dois conferencistas estrangeiros, o director da Faculdade de Direito da Universidade Católica do Rio de Janeiro e Advogado Honorário da Ordem dos Advogados, Dr. Haroldo Valladão, que tratou o tema “O Direito Internacional Privado dos estados americanos” e o advogado francês, Maitre Maurice Garçon, que abordou “Alguns aspectos do exercício da profissão de advogado“.

O Dr. Haroldo Valladão ofertou, na ocasião, à Biblioteca da Ordem dos Advogados, a obra La Personnalité et la Territorialité des Lois Particulieremente dans le Droit-Canon, autografada pelo seu autor, o Papa Pio XII.

(Temos fotos a digitalizar)

No ano de 1950 são de relevar as palestras proferidas pelo Dr. Francisco Ferreiro, advogado de Valladolid, Espanha, sobre “El problema de la vivienda y su regulación en Espafía” e pelo Prof. Doutor Diogo Furtado, professor da Faculdade de Medicina de Lisboa, que versou o tema “A coacção psicológica perante o Direito”.

Importa, ainda, destacar a implementação da Conferência Preparatória dos Candidatos à Advocacia, que funcionou com regularidade na sede dos três distritos forenses do continente, Lisboa, Porto e Coimbra. Na cerimónia de abertura, a 7 de Novembro de 1949, em Lisboa, afirmou o Bastonário, dirigindo-se aos candidatos à advocacia: “Quem se dispõe a ser advogado, deve contar, antecipadamente, com trabalho e estudo para toda a vida: a profissão, neste ponto, é inflexível e quem não tiver o gosto de estudar, melhor é que desde já se afeiçoe a outra carreira“. A Conferência Preparatória prevista no artº 529° do EJ tinha por objectivo auxiliar o tirocínio exigido aos candidatos, sendo dirigida pelo Presidente do respectivo Conselho Distrital da Ordem dos Advogados, coadjuvado por advogados por si escolhidos.

Elogio histórico do dr. Arthur de Moraes Carvalho apresentado pelo Dr. João Paulo Cancella de Abreu

O autor do elogio começou por se reportar aos tempos de estudante, em Coimbra, do Dr. Moraes Carvalho, recordando as palavras de um condiscípulo, o Prof. Doutor Beleza dos Santos: “«era muitíssimo considerado por todos os estudantes do seu curso e por aqueles que o conheciam, sem excepção, pela sua alta inteligência e saber, pela. finura e simplicidade do seu trato, pela solicitude em ajudar os outros, pela sua impecável lealdade, pela sua despretensão, pelo seu bom humor sorridente, às vezes levemente avivado por uma ironia em que nunca existiu ponta de maldade». Este retrato dos seus tempos de estudante, traçado por mão de mestre, manteve-se, sem envelhecer, pelos anos fora. Manteve-se sempre igual a si mesmo”.

Atraído pela política, exerceu funções directivas na Causa Monárquica, destacando o Dr. João Paulo Cancella de Abreu a sua notável acção visando unir os grupos monárquicos partidários dos dois ramos da Casa de Bragança e a elevada consideração em que o tinha o rei D. Manuel II, então no exílio. “Mesmo os seus adversários políticos reconheciam os seus altos méritos, o seu aprumo, a sua primorosa educação

Destaca, ainda, o autor, o apoio do Dr. Moraes Carvalho ao projecto de regulamentação do Habeas Corpus apresentado pelo deputado Dr. Pedro Pitta, em 1922, argumentando que “não bastava reconhecer o direito e a liberdade individual. O que era importante era garantir esse direito”.

Foi cultor de todos os ramos do direito sendo, nas palavras do seu elogiante, “advogado de clinica geral”

A concluir o elogio, realçava: “A sua Obra não foi o que deixou escrito ou realizou, mas aforma como soube viver e conviver. O que importa é essa sua lição permanente de simplicidade, de compreensão, de bondade, de justa medida em tudo”

Texto: Maria João de Figueiroa Rego in “Os Bastonários da Ordem dos Advogados Portugueses”

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