António Osório de Castro - 1984-1986


POR Fatima Maciel

”A Ordem dos Advogados sempre foi um espaço de diálogo, de crítica, viva mas afirmativa, de tolerância. Sempre a animou o espírito de servir, para além do Direito, o seu País. Todos estamos forçosamente empenhados num futuro que nos coloque, com o peso que podemos vir a ter, na balança da Europa”

António Osório de Castro

O Dr. António Gabriel Maranca Osório de Castro nasceu em Setúbal a 1 de Agosto de 1933. Licenciado em Direito em 1956 e, no ano seguinte, em Ciências Jurídicas, pela Faculdade de Direito de Lisboa, inscreveu-se na Ordem dos Advogados em 3 de Outubro de 1958. Faleceu a 18 de Novembro de 2021.

Foi indicado pelo Governo português, em 1980, para a Convenção da Haia e, em 1985, como árbitro do International Center for Settlement of lnvestment Disputes.

Fundou, em 1985, o Instituto Jurídico Franco-Ibérico de Bordéus e, em 1988, a Associazione Internazionale di Giuristi di Lingua Italiana, da qual foi administrador entre 1988 e 2001.

Entre 1994 e 1996 presidiu ao Conselho Directivo da APDA-Associação Portuguesa para o Direito do Ambiente e, de 1995 a 2002, dirigiu a Revista de Direito do Ambiente e Ordenamento do Território, publicada por este organismo.

A partir de 1998 foi director da revista Foro das Letras, editada pela Associação Portuguesa de Escritores.

Membro honorário do Instituto de Direito Comparado Luso-Brasileiro, com sede no Rio de Janeiro (1980), membro individual da Conférence des Grands Barreaux d’Europe (1987), membro da Academia das Ciências, Classe de Letras (1999), tem proferido ao longo da sua carreira numerosas conferências e participado em seminários sobre Direito do Ambiente.

Em 2003 foi presidente da Delegação Portuguesa do Tribunal Europeu de Arbitragem, sediado em Estrasburgo.

A Delegação de Setúbal da Ordem dos Advogados prestou-lhe homenagem em 2004, numa cerimónia em que foi realçada a sua obra como escritor, advogado e Bastonário.

Em 2010 foi criado pelo Conselho Geral um prémio literário com o seu nome, visando distinguir uma obra inédita subordinada ao tema “Os advogados e a República”, aberto a advogados e advogados estagiários inscritos na Ordem dos Advogados Portugueses e nas Ordens dos Advogados da UALP – União dos Advogados de Língua Portuguesa.

A par da sua carreira como advogado o Bastonário Osório de Castro manteve intensa actividade literária, como poeta e ensaísta, tendo sido distinguido com o prémio literário do Pen Club com A Raiz Afectuosa. Nas palavras do Bastonário, que assina as suas obras como António Osório, “O exercício da Advocacia foi uma constante na minha vida, nunca fiz outra coisa. E isso coincidiu com o exercício de outra actividade, também constante ao longo do tempo, escrever, sobretudo poesia e ensaio. A verdade é que distingui as duas actividades. Não é por acaso que o escritor tem um nome diferente do Advogado.

O que se deve também a uma razão deontológica, o dever de discrição a que os Advogados são tão sensíveis”.

Na Ordem dos Advogados desempenhou os cargos de Vogal do Conselho Distrital de Lisboa, Vice-Presidente do Conselho Geral (1978-1980), Vogal do Conselho Superior (1981-1983), Bastonário (1984-1986) e Director da Biblioteca da Ordem dos Advogados (1995-2002).

O Dr. António Osório de Castro presidiu ao Conselho Geral composto pelos Drs. Fernão Fernandes Thomaz, 1° Vice-Presidente, Luís Saragga Leal, 2° Vice-Presidente, João Vaz Serra de Moura e Vasco Soares da Veiga, Secretários, António José Campos de Azevedo, Tesoureiro, e António Diamantino Marques Lopes, António José Sousa Pereira, António Owen Pinheiro Torres, Eduardo Lacerda Tavares, Francisco Faria, Jaime de Figueiredo, Joaquim Martinho da Silva, José António Pimenta, Luís Neiva Santos e Manuel Mendes Carqueijeiro, Vogais.

No discurso proferido na tomada de posse, a 14 de Maio de 1984, o novel Bastonário, expressando as suas preocupações com o estado do país nas vésperas da adesão à CEE, constatava os perigos, dificuldades e desafios de um tempo em que, sublinhava, a maior crise não era a económica, mas sim a dos valores. Ontem, como hoje, permita-se-me que o frise. Com uma análise lúcida e profética, o seu discurso mantém uma actualidade que justifica a sua transcrição.

Pertenço a uma geração marcada pelo estigma – cíclico da nossa cultura e hoje de novo agudamente sentido – da «decadência» de Portugal. No século passado, Antero, melhor que ninguém, exprimiu esse mal­estar nacional. Para ele, «a nossa fatalidade é a nossa história», e essa fatalidade resultaria da inércia de quem espera tudo de cima, da obliteração do sentimento da liberdade, do adormecimento da iniciativa, de uma deplorável indiferença. . «Para entrarmos outra vez na comunhão da Europa», segundo Antero, era necessário «um esforço viril, um esforço supremo».

Ora estamos à beira de entrar na Europa, e isso não resolverá por si os nossos problemas. Sofremos os nossos e os dos outros. Vivemos uma época incerta e nublada, uma crise geral de civilização. Como disse um dos grandes espíritos do nosso tempo, Octávio Paz, o mal é universal, corrói todos os sistemas e infesta os cinco continentes. Crise de tal ordem que pode culminar na destruição física da espécie humana. Contudo, a crise moral é mais funda que a económica, o presente angustia e o futuro atenaza, porque a esperança e o desânimo debatem-se no foro íntimo de cada um de nós. O hedonismo, as irrupções fanáticas de violência são manifestações da desolação contemporânea, de um mundo onde a força intenta sobrepor-se à Moral e ao Direito.

Todavia, são imensos os que não perderam a esperança e cofiam na aptidão regeneradora da democracia, nos valores em que ela assenta e procura salvaguardar: a liberdade individual, o espírito crítico, a tolerância, o respeito por si e pelos outros, a supremacia do Direito nas relações sociais, a realização da Justiça.

Nada se realiza sem o esforço e sem o trabalho de muitos, de inúmeros homens animados de modéstia e de boa-vontade. O porvir do Direito e da advocacia – que se encontram, como tudo, na encruzilhada geral do nosso tempo – dependem de pessoas com esse espírito, à uma idealistas e práticos, com a imaginação criadora que nasce do conhecimento das coisas e do desejo natural de as melhorar.

O grande desafio que se põe a todos – incluindo naturalmente os juristas – é o da entrada na Europa. Tal exige um esforço imenso de modernização. No nosso país coexistem a rotina arcaica e o avião, analfabetos e grandes escritores, primárias superstições e a informática, os bairros de lata e gigantescos estaleiros navais. Modernizar não subentende copiar a Europa, nem ser apenas capaz de competir dentro dela: é preciso saber adaptar, e adaptar é também recriar de acordo com o espírito nacional, preservando o que de bom possui a nossa cultura e postergando o que aquele tem, e continua a ter, de nocivo. Entre a tradição e a inovação imperiosa, há que encontrar uma síntese criadora que não nos descaracterize.

Dentro desta perspectiva europeia, há muito a fazer para os homens do Direito, não menos precisos ao País que os economistas.

Antes de tudo, aos advogados e à sua Ordem cumpre-lhes defender o Estado de Direito e os direitos e garantias individuais, conforme se consagra, como primeira atribuição, no Estatuto da nossa Ordem”.

Neste contexto o exercício da profissão revestia-se, em seu entender, de maior dificuldade, especialmente no caso dos mais novos, com reduzidas saídas profissionais, o que os levava a inscrever-se, em maior número, na Ordem. A esta cabia apoiá-los e habilitá-los o melhor possível para o exercício da advocacia. “Aliada à experiência, najuventude reside ofermento dinâmico da Ordem.”

O Acesso ao Direito constituía para o Bastonário um dos maiores defeitos da administração da Justiça, que impunha aos advogados, sobretudo nas comarcas mais pequenas, um esforço acrescido e sem contrapartida. Em apreciação estava, então, no Ministério daJustiça, o anteprojecto enviado pela Ordem sobre o Acesso ao Direito. O documento previa a remuneração de advogados e estagiários, de acordo com tabelas mínimas, pelos serviços realizados em sede de consulta e patrocínio gratuitos. Este sistema remuneratório, uma realidade noutros países europeus, podia, em sua opinião, constituir um boa forma de os mais novos iniciarem a sua carreira profissional. Era seu desiderato que o Conselho Geral tudo fizesse para que o tema fosse devidamente tratado e acolhidas as propostas da Ordem.

Considerando fundamental contrariar a morosidade da administração da Justiça o Bastonário defendia, também, ajá iniciada revisão do Código de Processo Civil.

Para atingir resultados era imprescindível a colaboração de todos e o envolvimento mais directo dos Conselhos Distritais nos assuntos que interessavam à classe. O seu lema era “congregar a generalidade dos colegas, acolhendo as suas iniciativas, melhorando a qualidade dos serviços a prestar, no estágio, na previdência, na biblioteca, nas conferências e palestrasjurídicas, para merecer a sua confiança e a sua participação. ( …) tudo no intuito de serem mais respeitados pelo poder e defazerem ouvir a sua voz com

autoridade”5•

A cooperação, tão necessária entre advogados, não devia contudo, segundo o Bastonário, limitar-se a essa dimensão. Era, igualmente, fundamental estabelecer laços com outras instituições, desde logo com as faculdades de Direito, Centro de Estudos Judiciários e associações jurídicas nacionais, entre as quais as de magistrados, jovens advogados, solicitadores, notários e conservadores, com vista ao aperfeiçoamento profissional. Também considerava importante a cooperação com a Ordem dos Médicos para intercâmbio de benefícios ao nível da assistência e, finalmente, com instituições de cariz cultural. “Das relações interprofissionais podem resultar recíprocos benefícios. Se há ideários nobres, que não envelheceram, são os cooperativistas e mutualistas”.

Sobre a importância da cultura na advocacia dava o seu testemunho pessoal: “Homem de cultura que sempre fui, a par de advogado, atrevo-me a confessar que constitui motivo de funda satisfação verificar que a ideia da criação de uma Comissão de Cultura obteve o acordo unânime de todos os membros da equipa que hoje tomou posse”.

No horizonte estava a abertura da Ordem a intelectuais e homens da cultura, historiadores, sociólogos, economistas, escritores e artistas nacionais e estrangeiros. Sobre esta matéria acrescentava, ainda, no seu primeiro discurso: “A cultura conduz ao refinamento da inteligência e da sensibilidade; e leva consigo a exigência do respeito pelos valores vitais, a mesma fonte donde irrompe a aspiração pela Justiça e pela supremacia do Direito. Como intelectuais e homens de sensibilidade que não podem deixar de ser, os advogados devem ocupar as primeiras linhas da defesa da cultura”.

Com esta convicção anunciava um vasto programa cultural, no qual cabiam ciclos de conferências sobre temas económicos, sociológicos e jurídicos tendo presente a adesão de Portugal à CEE, projecções de filmes, concertos, exposições, recitais de poesia e, ainda, a publicação de uma colecção jurídica em coedição com uma editora nacional.

O exercício da profissão por consultores e advogados de empresa constituía matéria relevante consubstanciando” Um dos grandes temas a debater no II Congresso de 1985. (…) Advogados em regime de profissão liberal, consultores, advogados de empresa – e aqueles que participam de uma ou outra categoria – todos devem ser entre si solidários. Com toga ou sem ela são oficiais do mesmo nobre oficio”

Confessava o Bastonário que uma das razões por que aceitara candidatar-se era a sua convicção de ser possível fazer mais relativamente à segurança social dos advogados, o mesmo é dizer à Caixa de Previdência, não obstante as alterações introduzidas pelo recente Regulamento:

“Melhorar as pensões de reforma, dinamizar os postos clínicos de Lisboa, Porto e Coimbra – este inaugurado há dias -, criar uma rede de assistência que cubra todo o País, procurando a colaboração preciosa da Ordem dos Médicos e dos Serviços Sociais do Ministério da Justiça, instituir um seguro de vida e de acidentes pessoais para os novos advogados, aumentar as receitas, lutando-se, de um lado, pela fixação de uma percentagem fixa da procuradoria e, de outro, pela criação de novas receitas, à semelhança do queJazem os advogados com as «vinhetas» na vizinha Espanha, e lhes permite arrecadar aí mais de um milhão de contos, eis as principais medidas que a Direcção da Caixa procurará levar a cabo”

A finalizar, uma palavra para o Estatuto que considerava “inspirado por princípios democráticos e descentralizadores”, a tal ponto que a representatividade e autonomia dos Conselhos Distritais tinham saído reforçadas. Quanto ao Bastonário relevava o facto de ter passado a poder delegar funções em qualquer membro do Conselho Geral ou até em qualquer advogado, mantendo a prerrogativa de consultar antigos Bastonários e delegar neles a sua representação, adiantando que assim o faria, sempre que se justificasse.

Sobre os seus antecessores mais próximos, realçava:

“Todos imprimiram, no momento exacto, um estilo próprio de actuação à Ordem. O Pref. Adelino da Palma Carlos, mestre de advogados, lançou as pontes da nossa entrada nos grandes organismos internacionais da advocacia, e muito lheficou devendo a nossa Caixa de Previdência; o Dr. Angelo de Almeida Ribeiro criou, entre outras notáveis realizações, o Gabinete de Consulta Jurídica Gratuita, e sempre votou à Ordem uma dedicação permanente; O Dr. Mário Raposo soube corresponder, num momento particularmente difícil, com o seu tino diplomático e determinação, aos anseios da classe impedindo a destruição da Ordem; o Dr. Carlos Lima reorganizou os serviços, administrou com prudência vencendo uma situação de quase ruptura financeira e enveredou, com a pertinácia que o caracteriza, pela reforma da estrutura da Ordem e da advocacia.

Enfim, o Dr. Coelho Ribeiro pode orgulhar-se da sua acção altamente positiva à frente da Ordem. Várias coisas relevantes lhe ficamos a dever: realço aqui apenas o ter-se batido, com denodo e êxito, para que a nossa Caixa não fosse absorvida pelo Estado, que não entrassem em vigor as leis sobre processo civil, que o Estatuto da advocacia fosse uma realidade e, não menos importante, que a Ordem participasse activamente em reuniões internacionais, em especial na «Commission Consultative des Barreaux de la Communauté Européenne» organismo que constitui o embrião de uma Ordem Europeia dos Advogados, e no qual já temos assento, inclusive no seu Comité Permanente”

Para o novo Centro de Estudos e para o II Congresso de 1985 ficava reservado o debate dos grandes problemas da advocacia, com a cordialidade esperada e devida à classe. “Para que se cumpra o que se consignou no programa deste Conselho Geral: à Ordem cabe ser a casa e o espelho dos advogados; ; a casa onde sabem dialogar, discutir e unir-se, o espelho em que se revejam com orgulho”

Nas linhas gerais do programa de candidatura defendera o Dr. Osório de Castro que à Ordem se impunha preservar o que fosse de preservar, particularmente a sua independência e dignidade da advocacia e melhorar a sua capacidade de intervenção, com imaginação, prudência e inovação.

O Bastonário defendera enquanto candidato a actuação descentralizada do Conselho Geral através da delegação de funções nas comissões já existentes, entre as quais a de Legislação e a de Relações Internacionais, e noutras criadas no triénio, como a de Cultura, com o intuito de obter a colaboração de um maior número de advogados na acção da Ordem.

A Comissão de Consulta Jurídica, que mudou a designação para Comissão de Acesso ao Direito, na expectativa de que o respectivo diploma viesse a ser aprovado com a brevidade ambicionada pela Ordem, ficou sob a presidência do Dr. José Antunes Pimenta.

O Dr. Vaz Serra de Moura ficou responsável pelo pelouro da Biblioteca, tendo como prioridade dotá-la de obras relativas a dois temas candentes, aos quais o Conselho Geral dedicou particular atenção neste triénio: o Direito comunitário e a segurança social.

A Comissão de Reforma, que desempenhara um papel de primordial importância na elaboração do novo Estatuto da Ordem dos Advogados, tinha agora como desafio a revisão dos regulamentos da Ordem dos Advogados. Presidia a esta comissão o próprio Bastonário, coadjuvado pelo Dr. Luís Saragga Leal.

Não obstante terem sido criados os Centros Distritais de Estágio, entendeu o Conselho Geral ser de manter a Comissão de Estágio.

A Comissão de Redacção da Revista, dirigida pelo Dr. Eridano de Abreu, foi constituída pelos Drs. António Menezes Cordeiro, Diogo Leite de Campos, Ernesto de Oliveira, Fausto Quadros, Fernão Fernandes Thomaz, José Osvaldo Gomes, José Sá Carneiro de Figueiredo e Paulo Pitta e Cunha.

A Comissão de Relações Internacionais passou a ter a seguinte composição: Drs. José Manuel Coelho Ribeiro, Presidente, Luís Saragga Leal, Vasco Soares da Veiga, Fernando Cruz, Manuel Pereira Barrocas, Victor Refega Fernandes, Jaime Medeiros e Rui Almeida Mendes.

A Comissão de Legislação, ora presidida pelo Bastonário António Carlos Lima, era composta pelo Prof. Doutor Galvão Teles, Prof. Doutor Raul Ventura, Dr. António de Campos, Dr. Deodato Coutinho, Dr. Osvaldo Gomes e Dr. Manuel Pires.

Constituía a Comissão dos Direitos do Homem o   Bastonário Angelo d’ Almeida Ribeiro, Presidente, e os Drs. José Rodrigues Pereira, Alfredo Gaspar, José Maria Roque Lino e Lénia Godinho Lopes.

A 10 de Dezembro de 1984, esta Comissão, em conjunto com a Associação dos Direitos e Justiça, organizou uma sessão solene comemorativa do 36° aniversário da proclamação da Declaração Universal dos Direitos do Homem em que foram oradores os Drs. Mário Soares, Angelo d’Almeida Ribeiro e António Maria Pereira, Presidente do Direito e Justiça.

A Comissão de Cultura, grande inovação do triénio, foi presidida pelo próprio Bastonário, acompanhado pelos Drs. Vasco Graça Moura, Vice-Presidente, e Drs. António Alçada Baptista, Alberto Luís António Rebordão Navarro, Alberto Vaz da Silva, Pedro Tamen, José Blanco, José Carlos Vasconcelos, Manuel António Pena, Francisco Faria e João Miguel Barros.

A actividade desta comissão acabou, todavia, por ficar aquém do previsto, dada a premência de um considerável número de assuntos com os quais o Conselho Geral se viu confrontado. Da sua acção merece especial referência a sessão realizada, a 8 de Janeiro de 1985, com o escritor Ângel Crespo, agraciado na ocasião com a Ordem do Infante D. Henrique, por relevantes serviços prestados à cultura portuguesa, ao traduzir Fernando Pessoa e outros poetas portugueses. O homenageado proferiu na ocasião uma palestra intitulada “Relações entre a Poesia Portuguesa e a Espanhola”. A cerimónia terminou com um momento de poesia protagonizado pela actriz Hermínia Tojal, que disse um poema da autoria do homenageado.

No início do mandato o Conselho Geral encontrava-se numa situação financeira crítica. A alteração do sistema de cobrança de quotas, até então realizada pela Caixa de Previdência e entretanto entregue a cobradores e aos correios, levara a um atraso substancial no recebimento de quotas, ascendendo o seu valor a uma importância exorbitante. A ruptura financeira iminente obrigou a medidas de contenção de despesas, como a suspensão do Boletim, e a uma reestruturação. Em Novembro de 1984 entrou em vigor o novo sistema de cobrança de quotas, que privilegiou o seu pagamento anual – sendo menor o número de procedimentos, e, consequentemente, os custos da sua cobrança, e a transferência bancária, com o benefício de uma redução do valor da quota paga por este meio.

Os benefícios resultantes do pagamento de quotas em prestação única por cheque, bem como a opção tomada por um número considerável de advogados, pela transferência bancária, ainda que mantendo-se o pagamento por cobrador, foram imediatos.

Com o novo sistema de cobrança implementaram-se medidas de apoio aos novos advogados que foram dispensados do pagamento de quotas nos primeiros três anos após a inscrição, sendo-lhes cobrados, apenas 50% do seu montante nos quarto e quinto anos subsequentes. “Medida da mais elementar justiça, atentas as dificuldades que hoje se lhes deparam. E vale também como um acto simbólico, digamos, de preocupação que a Ordem tem por quem começa e pelo futuro da advocacia”.

Para a recuperação financeira da Ordem muito contribuiu, também, a verba proveniente, a título de procuradoria, do Gabinete de Gestão Financeira do Ministério da Justiça. Sobre esta matéria defendia, ainda, o Bastonário:

“A posição da Ordem é conhecida: há que alterar o artigo 10° do D.L. nº 49 213, de 29 de Agosto de 1969, no sentido de o Conselho Geral ter uma percentagem fixa nas receitas arrecadadas pelo Cofre Geral dos Tribunais.

Se não se conseguiu que essa posição fosse. finalmente instituída, o facto é que o Sr. Ministro da Justiça, Dr. Rui Machete, deu sequência e foi sensível às reivindicações da Ordem nesta matéria crucial”

No final de 1984, se bem que a situação não fosse ainda desafogada, o Conselho Geral, apesar das despesas previstas com o estágio, a organização do II Congresso dos Advogados Portugueses e a Biblioteca, pôde avançar com a modernização e informatização dos serviços.

O Centro de Estudos, que substituiu o Instituto da Conferência, iniciou a sua actividade em 1984, sendo aberto a “todos os advogados, aos estagiários, a todos os profissionais e estudantes de Direito cooperando em larga medida com várias associações jurídicas”.

Nas suas duas primeiras sessões realizadas, respectivamente, a 22 e 29 de Maio, com a colaboração da Associação Portuguesa de Direito Europeu, foram apresentadas duas conferências. A primeira por Frederico Mancini, professor da Universidade de Bolonha e Avocat Géneral do Tribunal deJustiça das Comunidades Europeias, intitulada “Preséntation de la Cour deJustice des Communautés Européennes: Organization, Competence, Procedure”, e a segunda por Jacques Bourgeois, professor do Colégio da Europa e Vice-Presidente da Associação Belga do Direito Europeu, sobre “O Impacto do Direito Comunitário na Vida Quotidiana dos Profissionais de Direito”.

A 5 de Julho, em colaboração com a Revista do Direito Administrativo, foi conferencista o Prof. Doutor Diogo Freitas do Amaral, com o tema “O Novo Estatuto dos Tribunais Administrativos” e, a 12 de Julho, foi a vez do Prof. Doutor Diogo Leite Campos tratar o tema “O Novo Estatuto dos Tribunais Fiscais e Aduaneiros”.

De 15 a 17 de Novembro o Centro de Estudos, em conjunto com o Centro Regional de Enseñansa de Informática (CREI), promoveu o I Seminário de Informática Jurídica e Gestão Judicial, que contou com a colaboração do Dr. José António Barreiros.

Em Novembro de 1984 a Ordem organizou duas conferências. A primeira, proferida pelo Dr. Manuel João da Palma Carlos, sobre “As Relações entre Magistrados e Advogados” que, conforme salientava o Bastonário, inaugurou “um sistema inédito entre nós de «aula livre» ou

«aberta»”. A segunda, pelo Dr. Sérvulo Correia, a propósito de “Alguns Aspectos da Rectificação, Ratificação, Reforma e Conversão dos Actos Administrativos”.

A 20 de Dezembro de 1984, o Centro de Estudos promoveu uma palestra proferida pelo antigo Bastonário Angelo d’Almeida Ribeiro acerca da “Oratória Forense e Eloquência Judiciária”.

O Bastonário concluía, no relatório desse ano, a propósito da actividade do Centro de Estudos: “Todas estas realizações tiveram alto nível, e os debates foram vivos, interessantes e, certamente, proveitosos para os advogados-estagiários, a cuja formação o Centro de Estudos deve primordialmente estar atento” De 25 a 28 de Junho de 1985 a Ordem promoveu um ciclo de conferências sobre Problemas Jurídicos da Procriação Artificial, a cuja sessão inaugural presidiu o Ministro da Justiça, e que teve por oradores conceituados professores de faculdades de Direito francesas.

Ao longo do ano o Centro de Estudos prosseguiu a sua profícua actividade promovendo conferências e simpósios sobre as mais diversas matérias, entre as quais “Aspectos Jurídicos do desenvolvimento Económico”, “Sociedade por Acções”, “Instituições Financeiras”, “Actividade Empresarial do Estado”, “Formas de Defesa da Condição Feminina” e “As Relações Entre Magistrados e Advogados”, para além de temas relacionados com o novo Código do Registo Predial e com a reforma do Código de Processo Civil.

De todos os seminários, aquele que suscitou maior interesse e teve maior êxito, também pela oportunidade do tema, foi o que a Ordem promoveu com a colaboração da Union Internationale des Avocats (UIA),de5 a 7 de Junho de 1985,sobre”O Advogado Perante o Direito Comunitário”.

Os temas dominantes do triénio respeitaram, sobretudo, à adesão de Portugal à CEE, ganhando, assim, particular relevo as relações internacionais, especialmente no plano europeu,e as matérias relacionadas com o Direito Comunitário, advogados de empresas, projecto da nova Lei de Segurança Interna e Protecção Civil, a questão do terrorismo e o caso das FP25,o Acesso ao Direito e o Estágio, com a criação dos Centros Distritais de Estágio. A esta temática somaram-se, ainda, questões relacionadas com a vida interna da organização, entre as quais a previdência, modernização e informatização.

A propósito do projecto da Lei de Segurança Interna e Protecção Civil, que em 1984 estava em debate na Assembleia da República, o Conselho Geral entendeu solicitar um parecer ao antigo Bastonário Mário Raposo. Já na posse desse parecer foi emitido um comunicado de imprensa no qual a Ordem, afirmando compreender a necessidade do combate ao terrorismo, criminalidade organizada e tráfico de drogas, salientava, de forma veemente: “Mas é também imprescindível que, nas opções do legislador, fiquem sempre acauteladas as grandes regras constitucionais e os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Nunca será demais afirmar-se que razões de segurança em caso algum poderão ser fonte de virtual insegurança”.

No caso das FP25 a Ordem tomou providências no sentido de assegurar a defesa dos réus. “Sem prejuízo de reiterar a sua condenação por todos os actos de terrorismo, a Ordem não podia eximir-se ao dever de assegurar a defesa desses réus, para prestígio da advocacia e em obediência ao princípio essencial num Estado de Direito, de que a todos deve ser garantido um patrocínio efectivo, sejam quais forem os crimes por que estejam acusados”.

As relações internacionais, apesar das já aludidas dificuldades financeiras do Conselho Geral, tiveram para este uma importância relevante, marcando presença em todas as grandes reuniões e congressos internacionais de advogados. O presidente da respectiva comissão assegurou a representação da Ordem em diversas reuniões, muitas vezes a expensas próprias. É de destacar a sua presença na reunião de Bastonários em Barcelona (1984), na reunião do Comité Permanente da CCBE, em Bruxelas (1986), na Conferência do Estágio do Barreau de Paris e no Congresso da American Bar Association, em Chicago (1984).

A Ordem dos Advogados esteve representada pelo Dr. Sá Carneiro de Figueiredo no VI Congresso da Unión Iberoamericana de Colegios y Agrupaciones de Abogados (UIBA), realizada em Mar dei Plata, Buenos Aires, de 20 a 24 de Novembro de 1985. Este congresso revestiu-se de particular interesse pela aprovação, por unanimidade, do Código de Ética Profissional comum aos 24 países membros desta organização, que foi precedido da Declaração de Mar dei Plata, que passou a identificar este Código.

Destaque, também, para o IV Congresso Internacional de Segurança Social dos Advogados realizado em Madrid, de 7 a 11 de Outubro de 1984, no qual esteve presente o Bastonário, na qualidade de Presidente do Conselho Geral da Caixa de Previdência. Sobre a participação portuguesa no evento escreveu o Bastonário: “Por eleição, o signatário presidiu a uma das Mesas, que tratava da criação da União Internacional das Caixas de Previdência e Assistência, cujos estatutos foram aprovados, com sede em Madrid. Portugal foi escolhido para designar um representante para a Comissão Executiva, de sete membros, da nova importantíssima instituição”

O Bastonário, em representação da Ordem, foi signatário da escritura de constituição do Instituto de Direito Franco-Ibérico, com sede em Bordéus.

De sublinhar, ainda em matéria de relações internacionais, o papel desempenhado pela Ordem na convenção que criou, em Junho de 1986, a Conference des Grands Barreaux d’Europe, CGBE, para congregar esforços em defesa da advocacia. O Conselho Geral foi dos primeiros a aprovar o projecto apresentado pela Convenção de criação de um Tribunal Internacional, sob a égide das Nações Unidas, com vista a assegurar o respeito dos Direitos de Defesa.

Dando cumprimento a um dos objectivos traçados no seu programa de candidatura, o Bastonário promoveu o estreitamento de relações com a Ordem dos Médicos tendo proferido, a 22 de Maio de 1985, uma palestra, na sede da sua congénere, acerca das “Perspectivas para as Profissões Liberais – Relações entre Médicos e Advogados”.

O Bastonário, juntamente com representantes de organizações de profissões liberais,

enviou em 1986 uma exposição ao Ministro das Finanças visando um reajustamento do Código do Imposto Profissional, sendo de realçar ainda sobre este tema a sua participação na 1ª Conferência Industrial das Profissões Liberais, realizada de 23 a 25 de Setembro desse ano, em Paris.

O 35° Congresso de Direito Marítimo Internacional realizado em Lisboa e a possível intervenção da Ordem na Comissão Internacional de Direito Marítimo mereceram a atenção do Conselho Geral durante este triénio.

Finalmente, de referir a realização do II Congresso dos Advogados Portugueses, que decorreu em Lisboa, na Fundação Calouste Gulbenkian, de 19 a 22 de Dezembro de 1985. Foi, segundo o Dr. António Osório de Castro, que presidiu à comissão organizadora, “a realização mais positiva do triénio”.

No Congresso funcionaram seis secções com os temas: 1) O exercício da profissão de advogado; direitos e deveres; estatuto de especialização; advogado de empresa; consequência da adesão à CEE. 2) Estrutura e funcionamento da Ordem. Segurança social dos Advogados. 3) Organização judiciária e funcionamento dos Tribunais – reformas processuais. 4) Direitos, liberdades e garantias e o processo penal.

5) Estágio e problemática dos jovens advogados. 6) O acesso ao direito e à Ordem.

Na ocasião foi entregue ao Dr. Azeredo Perdigão a insígnia de Advogado Honorário criada em sua homenagem.

Na sequência deste congresso, atentas as suas conclusões, o Conselho Geral deliberou, em Junho de 1986, solicitar pareceres a um conjunto de advogados dando desta forma cumprimento às importantes recomendações.

Foi, assim, solicitado o estudo dos seguintes temas: Deontologia – Drs. Lia Viegas e Alfredo Gaspar; Direitos e Honorários – Drs. Luiz Francisco Rebello e António Serra Lopes; Sociedades de Advogados – Dr. Júlio de Castro Caldas, Vaz Serra de Moura e Henrique Abecassis; Estatuto de Especialização – Drs. Osvaldo Gomes e Pereira de Almeida; Advogados de Empresas – Drs. Vasco Soares da Veiga, José Henrique Zenha e Baptista Abreu; Consequências da Adesão à CEE – Prof. Doutor Mota Campos, Dr. Luís Bento Correia e Dr. Jorge Santos; Segurança Social – Dr. Soares de Oliveira, Dra. Adília Lisboa e Dr. Vaz Serra e Sousa; Reforma do Processo Civil – Drs. Lobo Ferreira, Vasco Airão e José Manuel Silva Lopes; Direitos, Liberdades e Garantias – Drs. Fernando Grade, José António Barreiros e Magalhães e Silva; Estágio – Dr.Augusto Lopes Cardoso, Manuel Pinto Ramos e Machado Ruivo.

Uma das principais recomendações do Congresso incidiu sobre o Acesso ao Direito. Nesse âmbito foi assinado um convénio entre o Ministério da Justiça e a Ordem instituindo um Gabinete de Consulta Jurídica, inicialmente e numa fase experimental, em Lisboa, prevendo-se desde logo a extensão desta medida a outros concelhos e comarcas.

A finalizar o mandato, em discurso proferido na tomada de posse do seu sucessor, o Bastonário António Osório de Castro desenhava um quadro pouco optimista da vida económica e jurídica portuguesa, não obstante a recente adesão de Portugal à então CEE. Dizia:

“Quando me foi dada a posse, estávamos à beira de entrar na Europa. Uma certa inquietação então existente não se desvaneceu no entretanto, decorrido já um ano após a nossa adesão à CEE. Problemas houve que até se agudizaram, a «crise da Justiça» não foi debelada, o exercício da advocacia não é menos dificil ou precário, um certo pessimismo geral persiste, as variações constantes das leis geram insegurança. E entrámos numa nova ordem económica e jurídica, a das Comunidades Europeias, ela também em mutação.

Tudo isto conduz a que nos interroguemos, testemunhas e actores de uma sociedade em transformação tecnológica, económica, social, até biológica, sobre se o nosso Direito não está inadaptado, e se a nossa profissão não carece, ela também, de sofrer profundas alterações”

Em O Concerto Interior o Bastonário António Osório de Castro, que sempre evitou como escritor e poeta falar do advogado, abriu uma excepção para mencionar alguns dos aspectos que considerava mais relevantes da sua acção como Bastonário, entre os quais a realização do II Congresso dos Advogados Portugueses e os contactos que então estabeleceu com congéneres europeias.

A propósito do Congresso, realizado na Fundação Calouste Gulbenkian, fez questão de sublinhar a colaboração do Dr. Azeredo Perdigão a quem, na sessão de abertura, a 19 de Dezembro de 1985, começou por se dirigir, dizendo: “V. Exa. é muito mais que o nosso Advogado Honorário, é a pessoa que merece o respeito e admiração de todos os portugueses

Recordando a sua acção em matéria de relações internacionais, salientava na referida obra:

“Para alguém com a minha formação, estar separado da Europa não fazia sentido. Por isso, creio que uma das realizações mais importantes do meu mandato de bastonário (1984-1986) foi aforma como procurei colaborar com as principais Ordens“.  Mais adiante, reforçando a ideia, acrescenta: “A abertura que promovi, na altura própria, da nossa Ordem às instituições europeias congéneres e às associações internacionais de advogados foi não só uma aprendizagem -foi também a abertura do nosso país aos contactos pessoais que naturalmente facilitavam as relações institucionais. De igual modo, o Direito do Ambiente e as relações literárias apoiadas pela Ordem e pela Associação Portuguesa de Escritores-Juristas exerceram uma acção positiva, na qual advogados, magistrados e escritores de renome aparecem conjuntamente, sem preconceitos políticos”

No dia 21 de Dezembro de 2006, realizou-se no Salão Nobre da Ordem dos Advogados a sessão de lançamento do livro Casa das Sementes – poesia escolhida, da aut oria do Poeta e Bastonário António Osório de Castro. A cerimónia foi organizada pela Ordem dos Advogados em colaboração com a editora Assírio & Alvim.

A sessão foi presidida pelo Bastonário Dr. Rogério Alves e a apresentação do livro ficou a cargo do Dr. José Manuel de Vasconcelos. O actor João Grosso fez a leitura de uma selecção de poemas desta obra.

Texto: Maria João de Figueiroa Rego in “Os Bastonários da Ordem dos Advogados Portugueses”

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