Acácio Furtado - 1942-1944


POR Redação OA

”A idoneidade moral é primordial e indispensável qualidade que devem possuir os profissionais de advocacia”


Acácio Ludgero de Almeida Furtado

O Dr. Acácio Ludgero de Almeida Furtado nasceu a 26 de Março de 1880, na Lourinhã, e faleceu em Paço d’Arco a 3 de Fevereiro de 1965. Licenciou-se em Direito a 1 de Junho de 1900 , na Universidade de Coimbra, iniciando a 19 de Julho, com apenas 20 anos, a sua actividade profissional, com escritório na Rua de S. Julião, nº 110. Três anos depois, a 23 de Julho, era eleito sócio efectivo da Associação dos Advogados de Lisboa.

O Dr. Pedro Pitta, Vogal do Conselho Geral neste triénio, referir-se-lhe-ia anos mais tarde, já Bastonário, na sessão solene em que foi apresentado o seu elogio histórico: “O Dr. Acácio Furtado foi sempre cem por cento advogado”.

As causas a que se dedicou profissionalmente e que lhe granjearam maior fama e reputação foram, sobretudo, de âmbito cível e comercial.

A 2 de Janeiro de 1963, após 62 anos de profissão, cancelou a sua inscrição na Ordem dos Advogados pondo termo ao exercício da advocacia. O Conselho Superior concedeu-lhe alguns dias depois, a 10 de Janeiro, o título de Advogado Honorário, pelos seus longos 32 anos de dedicação à Ordem dos Advogados.

Em 1913 integrou, como vogal, a Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Lisboa. Fez parte do primeiro Conselho Geral da Ordem dos Advogados, eleito para o triénio de 1927-1929. Foi, também, membro do Conselho Superior Disciplinar nos triénios de 1930-1932,1933- 1935 e 1939-1941 sendo, em 1941, eleito para o Conselho Geral presidido pelo Dr. Catanho de Menezes, desempenhando o cargo de Vice-Presidente e assumindo a presidência em substituição do Bastonário, impedido de exercer o cargo por doença.

Durante o seu mandato como Bastonário foi, por inerência, Vogal do Conselho Superior dos Serviços Criminais. Os Bastonários Sá Nogueira, Moraes Carvalho e Adelino da Palma Carlos, que lhe sucederam e a quem cabia, igualmente, o desempenho do mesmo cargo, entenderam delegar-lhe tal responsabilidade, pelo que se manteve nessas funções até 1958.

Em 1942, ainda Vice-Presidente do Conselho Geral, publicou um livro de memórias intitulado Alguns casos profissionais e alguns conselhos de deontologia da profissão seguidos de algumas sugestões de urgentes modificações a introduzir no novo Código de Processo Civil, envolto numa cinta amarela que anunciava “Quarenta anos de advocacia. Deontologia Profissional. Importantes casos julgados em Tribunal Pleno. Apreciações sobre o Novo Código de Processo Civil. Útil e oportuno.”

Esta obra, tal como a sua carreira de advogado, foram objecto de um estudo publicado pelo Dr. Francisco M. Gentil, Elogio do Insigne Jurisconsulto Dr. Acácio Furtado, no qual, começando por se referir à forma como a mesma se apresentava nos escaparates das livrarias, envolta na cinta acima mencionada, dizia: “Já esta cinta nos dá a idéia do espírito do autor, que no seu primeiro livro tem a coragem de aceitar os costumes literários da «Rive Gauche»”. Neste estudo o autor enaltece o facto de o Dr. Acácio Furtado ter escrito o seu livro baseado em causas que defendeu, fundado apenas nos trabalhos, minutas, argumentos e decisões dos tribunais, sem recorrer a tratadistas, suportado apenas pela ”força desnuda do seu raciocínio, bastando-lhe a razão das suas razões, não se amparando, como é hoje moda, a muletas alheias, às longas monografias jurídicas, aos comentários laboriosos e ostentatórios de falíveis cultores do Direito”

Aspectos relevantes do mandato (1942-1944)

O Dr. Acácio Furtado tomou posse do cargo a 17 de Junho de 1942. Integraram o Conselho Geral os Drs. Carlos Zeferino Pinto Coelho, 1° Vice-Presidente e Tesoureiro, Rui Gomes de Carvalho, 2° Vice-Presidente, Arnaldo Constantino Fernandes, 1° Secretário, Alfredo Simões Travassos, 2° Secretário, e os Vogais Drs. Adolfo Bravo, Américo Chaves de Almeida, Artur Oliveira Ramos, Francisco da Silva Lino Gameiro, João Neves e Pedro Goes Pitta.

O pelouro da Cultura foi distribuído ao Dr. Artur Oliveira Ramos, o dos Conselhos Distritais e Delegações ao Dr. Francisco da Silva Lino Gameiro, o dos Serviços Internos e Biblioteca ao Dr. Adolfo Bravo e o da Assistência ao Dr. Rui Gomes de Carvalho.

Durante o seu bastonato o Conselho Geral emitiu pareceres sobre matérias relacionadas com o exercício da advocacia por notários, funcionários das secretarias da Polícia de Segurança Pública e funcionários das Câmaras Municipais, deontologia profissional, consulta de processos arquivados na Polícia de Investigação Criminal, imposto profissional, incompatibilidades, inscrições, etc..

Em 1942 o Conselho Distrital dos Açores inaugurou a sua sede com uma sessão solene, na qual foi homenageado o fundador da Ordem, Prof. Doutor Manuel Rodrigues.

No início do triénio havia poucas Delegações constituídas, facto que suscitava preocupação. Assim, “o Conselho Geral, convencido da necessidade de desenvolver a acção dêsses organismos locais da Ordem, está procurando activá-los e irá promovendo a sua regular constituição em tôdas as comarcas. Para isso passará a subordinar a entrega dos subsídios com previsão orçamental, destinados a despesas de instalação ou outras, nos casos em que a respectiva concessão se justifique, à condição essencial de prévia eleição das mesmas Delegações”.

As sessões de reabertura dos Tribunais convidavam à reflexão sobre aspectos relacionados com o sistema judicial. O Ministro da Justiça solicitou ao Bastonário a indicação de um orador para a sessão solene a realizar, em 1943, no Supremo Tribunal de Justiça. O Prof. Doutor Fezas Vital, orador convidado, explanou o tema Da hierarquia das Fontes do Direito. No ano seguinte a oração do Dr. José Azeredo Perdigão incidiu sobre A Crise do Individualismo – suas manifestações na ordem jurídica. Nesse mesmo ano foi orador, no Porto, o Dr. António Pedro Pinto de Mesquita com o tema Distinção da Matéria de Facto e de Direito e o Julgamento nos Tribunais da 1ª Instância”. Em Coimbra, o Dr. Octaviano Sá debruçou-se sobre “A Assistência Judiciária, a Humanização do Processo e a Colaboração do Advogado.

Nas palavras do Dr. Acácio Furtado “Têm tido as sessões solenes de reabertura dos tribunais a seguinte feição, que, no nosso entender, deverá manter-se:

a)         de superior orientação da função de julgar e da cooperação que pelos advogados aos juízes é devida para a boa administração da Justiça; (…)

b)         de superior orientação e exaltação da função do ministério público; (…)

c)         de confraternização entre todos os membros da grande família forense: Magistrados, Advogados, Solicitadores e Funcionários de Justiça;

d)         de solicitação e de sugestão de providências legislativas que possam concorrer para a melhoria da nossa legislação processual nos pontos em que a prática dos tribunais mais acentuadamente vem marcando a absoluta necessidade de urgente reforma;

e)         de indicação do que urge fazer-se para que aos tribunais não faltem as instalações necessárias ao seu prestígio e bom funcionamento; (…)

f)          de alta cultura jurídico-social. “

A propósito da sua intervenção na sessão solene do Supremo Tribunal de Justiça, em 1944, referia o Bastonário ter procurado ”.fixar a atenção da Assembleia sobre as seguintes sugestões:

a)         quanto à necessidade de se tornarem recorríveis todas as decisões dos Tribunais colectivos, devendo, para esse efeito,fornecer-se aos Tribunais das relações todos os elementos de prova que a tais decisões tenham servido de base, o que se poderia e poderá conseguir pela redução a escrito, embora por extracto, dos depoimentos e declarações prestadas oralmente na audiência do julgamento, sobre o respectivo questionário;

b)         quanto à necessidade de se revogar a disposição do artº do Código de Processo Civil que proibia a declaração de vencido nos Acórdãos dos Tribunais Superiores e que obrigava o Juiz relator, mesmo quando vencido, a lavrar o Acórdão com a decisão tomada, contra a sua opinião, pela maioria dos Juízes vencedores;

c)         quanto à necessidade de se prover de remédio às instalações dos Tribunais, com a construção de Palácios da Justiça, em Lisboa e no Porto e com as instalações condignas em todos os demais Tribunais do País”.

A sugestão apresentada pelo Dr. Acácio Furtado a propósito da declaração de voto de vencido, veio a ser atendida no artº 99°, § 1° e 2° do novo Estatuto Judiciário, publicado a 23 de Fevereiro e 1944.

Em 1 de Fevereiro de 1943 entrou em vigor o novo Regulamento da Inscrição de Advogados e Candidatos que sanou algumas situações irregulares estabelecendo que não podia denominar-se “nem ser denominado advogado quem como tal não estiver inscrito na Ordem, salvo os advogados honorários e provisórios desde que, seguidamente à denominação de advogado, se faça a indicação das suas respectivas qualidades” , pondo, assim, cobro, ao exercício da advocacia por quem não estivesse inscrito na Ordem dos Advogados.

Quanto aos candidatos, a indicação do patrono no momento da inscrição passava a ter de ser acompanhada de uma declaração de consentimento do próprio, assim se evitando situações em que os candidatos indicavam um patrono sem o prévio conhecimento ou consentimento deste. De realçar, ainda, que os candidatos tinham de requerer a sua inscrição como advogado imediatamente após o fim do estágio, impedindo-se, desta forma, o prolongamento indevido da sua condição de candidatos e, consequentemente, o protelamento do pagamento de quotas. A aplicação desta medida visava, obviamente, o aumento da receita.

De salientar que este regulamento fixou também doutrina sobre a antiguidade para efeitos de elegibilidade para cargos da Ordem, passando aquela a ser contada a partir da data de inscrição como advogado e não, como alguns entendiam, da inscrição como candidato.

A 23 de Julho de 1943 realizou-se pela primeira vez, na história da Ordem dos Advogados, uma reunião conjunta de todos os Conselhos do continente, convocada pelo Presidente do Conselho Superior Disciplinar, Dr. Almeida Eusébio. Na origem desta convocatória estiveram os agravos públicos dirigidos ao Bastonário por ter sido recusada, pelo Conselho Geral, a reinscrição de um advogado ao abrigo do § 3º do Estatuto Judiciário.

Nessa reunião foi unanimemente apoiada a moção apresentada pelo Vogal do Conselho Superior Disciplinar, Dr. Paulo Cancella de Abreu, nos seguintes termos: “O Conselho Superior Disciplinar, o Conselho Geral e os Conselhos Distritais de Lisboa, Pôrto e Coimbra, da Ordem dos Advogados, em reunião coryunta, prestam as suas homenagens ao digno Presidente da Ordem, Dr. Acácio Ludgero de Almeida Furtado, e manifestam-lhe o seu respeito e a sua gratidão pela forma como, dedicadamente e com grande sacrifício de saúde e de interesses, se tem consagrado ao serviço da Ordem e à manutenção do seu prestígio”. Com esta atitude se solidarizou, posteriormente, o Conselho Distrital dos Açores, em sessão convocada expressamente para o efeito, a 14 de Agosto.

Em 1944 foi elaborado o Regulamento de concessão do título de Advogado Honorário.

Em cumprimento do artigo 613° do novo Estatuto Judiciário, foi decidida a compilação de um Regimento da Ordem, que reunisse todos os regulamentos existentes, tarefa de que seria encarregue o Dr. Pedro Goes Pitta e que, todavia, por aguardar decisão do Ministro da Justiça sobre algumas sugestões apresentadas, não pôde ser concluído.

A propósito do imposto profissional, o Conselho Geral, a 22 de Outubro de 1942 , dirigiu uma exposição ao Ministro das Finanças relativa à contagem do prazo de reclamação e à divergência de critério para a sua aplicação, com a Secretaria de Finanças do 1 ° Bairro Fiscal de Lisboa. Nesse documento, alegava o Bastonário: “O Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 21 de Junho de 1939 (Acórdão nº 1 669 da colecção do Dr. Guilherme Augusto Coelho, ano de 1939, páginas 223) julgou que é pelas regras do Código do Processo Civil que se contam os prazos fiscais, por não conter a legislação fiscal qualquer norma sobre aforma dessa contagem, não se contando, pois, no prazo o dia em que êle começa”. A pretensão da Ordem dos Advogados, assim defendida, foi aceite e fixou doutrina.

Sobre a actividade do Instituto da Conferência, presidido pelo Dr. José de Almeida Eusébio, que acumulava o cargo com o de Presidente do Conselho Superior Disciplinar, escrevia o Dr. Acácio Furtado no relatório do Conselho Geral de 1942: “o brilho que essas quatro sessões revestiram e o manifesto interêsse com que na classe e nos meios jurídicos da capital foram acolhidos, deram-nos, desde logo, a certeza de que o Instituto da Conferência da Ordem dos Advogados continuaria a prestigiar-se e a impôr-se como elemento cultural da maior valia” .  Inovação assinalável no modelo das conferências foi a reprodução taquigráfica das sessões e a sua publicação na Revista da Ordem dos Advogados.

Para além das sessões organizadas pelo Instituto da Conferência, o Conselho Geral promoveu neste triénio diversas conferências, de que se destaca a proferida pelo Prof. Doutor Beleza dos Santos, em 14 de Maio de 1943, na sede da Ordem dos Advogados, sobre “Crise de Regimes Prisionais”, a propósito da qual disse o Bastonário: “Foi mais uma sessão de Alta Cultura a marcar bem o nível a que chegaram na sede da nossa Ordem as sessões dessa natureza”. A fechar o ciclo de “Conferências de Alta Cultura” desse ano, designação adaptada nos relatórios do triénio, o Dr. Almeida Eusébio foi o palestrante convidado para a sessão de 16 de Dezembro, abordando o tema A mulher, Incapacidades e Direitos, Do gineceu recolhido, ao bulício do exterior, Da mulher-mãe à mulher profissão, A mulher de toga e beca, A caminho da emancipação, que mereceu o seguinte comentário do Bastonário: “O eminente advogado versou com rara erudição e sob uma impecável forma literária, um problema da maior actualidade”

A solidariedade entre advogados portugueses e brasileiros foi tema de uma sessão Solene do Conselho Geral, realizada em 27 de Julho de 1943, na qual foi entregue pelo Embaixador do Brasil em Portugal, Dr. João Neves de Fontoura, uma missiva do Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros, na qual o respectivo afirmava:

“A solidariedade entrejuristas portugueses e brasileiros, que constitui uma das mais belas tradições na vida dos nossos dois países assume, nesta grave e trágica hora para a humanidade, o carácter de uma imposição histórica, destinada a iluminar, com a forte luz de uma cultura comum, os caminhos sombrios do futuro.

É por isso que pedimos aos nossos companheiros e colegas de Portugal, quando os valores fundamentais da civilização estão ameaçados de perecer, destruídos pelo ódio, pela violência e pela força, para abrir, não só ao embaixador do Brasil, como ao devotado e ilustre servidor do Direito, que é o Sr. Dr. João Neves da Fontoura, as portas do seu .fidalgo agasalho e, com aquela confiança e peculiar carinho com que receberam sempre os juristas brasileiros, considerá-lo como um colaborador sincero e entusiasta dos mesmos propósitos e ideais”

A carta terminava com um convite para as comemorações do centenário daquela instituição. Nesta sessão solene estiveram também presentes o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Dr. Botelho de Sousa, o Reitor da Universidade Clássica, Prof. Doutor José Gabriel Pinto Coelho, o Presidente da Academia das Ciências, Dr. Júlio Dantas, o professor da Faculdade de Direito de Lisboa e Presidente da Junta Nacional de Educação, Dr. Fezas Vital e o Presidente do Conselho Superior Disciplinar, Dr. José de Almeida Eusébio.

Na ocasião foi transmitido ao Embaixador do Brasil que o Conselho Geral havia proposto o ingresso no quadro da advocacia portuguesa de advogados brasileiros, desde que aos portugueses no Brasil fosse dado tratamento recíproco. Essa proposta viria a constar do§ único do art.0 534°, do Estatuto Judiciário, de 23 de Fevereiro de 194418 •

Em 17 de Maio do mesmo ano foi concedido ao Dr. João Neves de Fontoura o título de Advogado Honorário.

O prémio Alves de Sá, que havia sido criado em 1933, permaneceu até ao final deste triénio sem atribuição, por falta de candidaturas. Em 1943 o prémio pretendia distinguir um trabalho apresentado sobre o tema “O Código do Processo Civil nos Tribunais – Subsídios para o seu Aperfeiçoamento” e em 1944 “Providências Cautelares no Código do Processo Civil”. Para o ano de 1945 o Conselho Geral deliberou dobrar o valor do prémio, que passou, assim para 10.000$00, propondo como tema “Dos Tribunais Colectivos no Processo Civil

O Conselho Geral determinou que o director da Revista da Ordem dos Advogados passasse a ser o Bastonário, nomeando para o corpo redactorial os Drs. Adolfo Bravo, Artur de Oliveira Ramos, César Abranches, António Pedro Pinto de Mesquita e Pedro Goes Pitta.

O mandato do Dr. Acácio Furtado coincidiu com a II Guerra Mundial, pelo que a publicação da Revista sofreu atrasos por falta de papel. Embora com um número inferior de páginas continuou, todavia, a cumprir a sua função de divulgação de matéria jurídica relevante para a classe. Em todos os seus números, além das secções de doutrina e jurisprudência, foram objecto de publicação as conferências e discursos das sessões solenes de abertura dos Tribunais, as sessões solenes da Ordem dos Advogados, os relatórios do Instituto da Conferência e as actas da Comissão Revisora do Código de Processo Civil19 tendo sido, ainda, criada uma secção intitulada “Dos Direitos e Deveres dos Advogados“, da responsabilidade do Bastonário, versando conceitos de deontologia profissional.

Da revista e matérias nela tratadas, dizia o Dr. Acácio Furtado: “tudo dá à nossa Revista uma feição própria e muito especial, que a distingue de qualquer outra e que a integra perfeitamente na profissão do advogado e essencialmente aos advogados interessa, tornando-se para estes, a quem se destina gratuitamente,

um precioso elemento de indispensável consulta e proveitosa orientação”.

A Biblioteca continuou a merecer a atenção do Conselho Geral que, em virtude do elevado número de obras oferecidas, optou por canalizar as verbas disponíveis para a encadernação e restauro. No relatório de 1942, registava o Bastonário, com particular agrado: “Acentuou-se notavelmente, em relação aos anos transactos, a frequência de leitores. Registaram-se, em 279 dias úteis, 1 087 senhas de leitura, o que dá uma média diária de quatro leitores e de sete obras consultadas” . A Biblioteca contava 5 936 obras, incluindo revistas e outras publicações periódicas, num total de 7 447 volumes. Em 1942 a Ordem dos Advogados recebia as principais revistas jurídicas portuguesas, umas por oferta, outras por assinatura, encontrando-se suspensa a assinatura de algumas revistas estrangeiras, principalmente as provenientes de Paris, Bruxelas, Roma e Rio de Janeiro, por causa da guerra.

Em 1944 o Conselho Geral adquiriu para a Biblioteca uma colecção da 1ª série do Diário do Governo, de 1886 a 1913.

Também nesse ano foi completada a aposição de ex-libris nas obras encadernadas.

O ano de 1944, último do triénio, foi marcado pela publicação, a 23 de Fevereiro, do novo Estatuto Judiciário, aprovado pelo Decreto-Lei nº 33 547, que introduziu alterações substanciais na organização e funcionamento da Ordem.

Com o novo diploma, dizia o Dr. Acácio Furtado: “Ficou, assim, afastada, por completo, a ideia, que, aliás, já por duas vezes tinha sido tentada, felizmente com o mais absoluto inêxito, de poderem ser submetidos à apreciação e julgamento dos Tribunais do Trabalho ou do Supremo Tribunal Administrativo, em recursos para eles levados, as decisões ou deliberações dos conselhos da Ordem“.

Outra das novidades do Estatuto Judiciário foi a conversão em norma legal do princípio da idoneidade moral do advogado.

O Conselho Superior Disciplinar passou a denominar-se, apenas, Conselho Superior, designação que, no entender do Bastonário, melhor se harmonizava com a plenitude e magnitude das suas atribuições.

O novo Estatuto Judiciário atribuiu ao Conselho Geral o exclusivo em matéria de laudos sobre honorários. Essa competência era, até então, partilhada com os Conselhos Distritais.

A publicação do Estatuto Judiciário veio satisfazer uma velha aspiração da Ordem, ao proibir expressamente as procuradorias ilícitas. Refira-se, finalmente, que, segundo o Dr. Acácio Furtado, o novo Estatuto Judiciário teve em vista o reforço dos poderes do Bastonário e a promoção de uma melhor cooperação com os órgãos da Ordem ao conceder-lhe a faculdade de assistir às sessões de qualquer dos Conselhos ou Delegações. Para além disso, os Conselhos da Ordem dos Advogados passaram a integrar vogais eleitos e vogais nomeados pelo Bastonário.

Elogio histórico do Dr. Acácio Furtado apresentado pelo Dr. Rodolfo José Lavrador

Na sessão solene em que foi apresentado o elogio histórico do Dr. Acácio Furtado, o então Bastonário, Dr. Pedro Pitta, recordava: “Não pode dizer-se que ele era brilhante. Dizia bem, sem preocupações de oratória, quase como em conversa. Mas tinha a grande qualidade de aproveitar todos os elementos que o processo podia fornecer-lhe, mesmo alguns aparentemente insignificantes, utilizando-os com perfeita argumentação e sempre com a maior clareza. (…) Acácio Furtado era o que pode chamar-se um grande lutador. O seu corpo forte, de ombros largos, sempre de braços meio arqueados, cabeça levantada, pisando com força, mostrava-se tal qual era – o lutador de todos os instantes, o permanente lutador’ No elogio propriamente dito, afirmava o Dr. Rodolfo Lavrador:

“Foi toda uma vida, longa e fértil, entregue à profissão a que, com exclusivismo absoluto, dedicava inexcedível carinho.

Senhor de uma vontade indomável e de uma inteligência poderosa, dominador da técnica do direito e das ciências afins, conhecedor da vida social e dos seus fenómenos, honrado, probo, digno e respeitado, o Dr. Acácio Furtado teve, por certo, solicitações de toda a ordem; mas nem a política, afiança, as artes ou as indústrias o seduziram.

Todas rejeitou, por amor à advocacia, paixão e destino da sua vida. (…)

O volume dos seus escritos, oferecidos à Ordem por seu filho, o nosso ilustre colega Dr. Mário Furtado, é verdadeiramente impressionante e abre como seu primeiro trabalho profissional, datado de Julho de 1900. (…)

Da alta ideia que o Dr. Acácio Furtado jazia da profissão, decorria, desde logo, a noção da sua independência que defendeu, em todas as vicissitudes, com decisão, com coragem e, não raro, com imponente altivez.

A independência como ele entendia, tinha um sentido absoluto, pois a todos e a tudo se impunha. (…)

E tão longe levava o Dr. Acácio Furtado o seu conceito de independência do advogado perante o cliente, que condenava o regime de avença como pagamento de honorários, considerando-o uma limitação de liberdade na escolha das causas. (…)

Paralelamente (ou melhor, entrelaçando-se com ele) ao sentido de independência, cultivado no mais alto grau, existia, naturalmente no seu espírito a preocupação constante da defesa intransigente e irredutível das prerrogativas da classe”.

Realçava, ainda, o Dr. Rodolfo Lavrador, o facto de muitas das observações e críticas feitas pelo Dr. Acácio Furtado ao sistema processual civil e comercial terem sido acolhidas pelo legislador. E a concluir o elogio destacava a sua abnegação e desprendimento material, finalizando o retrato com uma menção aos seus dotes oratórios: “Expositor claro, orador brilhante, argumentador convincente, escrevendo com ligeireza e facilidade, dominando perfeitamente a língua portuguesa, profundo cultor do direito e possuidor de vasta cultura geral, era frequente produzir, quer falando, quer escrevendo, verdadeiras obras literárias’.

Texto: Maria João de Figueiroa Rego in “Os Bastonários da Ordem dos Advogados Portugueses”

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