Angelo d’Almeida Ribeiro - 1972-1974


POR Redação OA

”Na verdade, um advogado é, por vezes, um personagem incómodo. Fala, discute, contraria,critica. ( … ) São-lhe cometidos poderes que a nenhuma outra profissão se outorgam”

Angelo d’Almeida Ribeiro

O Dr. Angelo Vidal d’Almeida Ribeiro, nasceu a 9 de Dezembro de 1921, em Lisboa, onde faleceu a 9 de Janeiro de 2000.

Licenciou-se em Direito a 13 de Julho de 1943, pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, tendo sido inscrito como candidato à advocacia em 29 de Julho de 1943 e como advogado em 17 de Março de 1945.

Iniciou a actividade profissional como Subdelegado do Procurador da República, cargo que exerceu durante um ano, no 6° Juízo Criminal e na 6ª Vara Cível, e foi, durante seis meses, Delegado do Procurador da República interino em Ponte de Sôr.

Advogou em Lisboa durante cerca de 45 anos, tendo tido escritório, primeiramente, na Rua Nova do Almada, nº 81 -1° e, depois, na Rua Nova do Almada, nº 53 -2°, no Largo de S. Carlos, nº 13-1° e na Rua D. Francisco Manuel de Melo, nº 23-1º.

Em 1973 e 1974 foi Vice-Presidente da Union International des Avocats, UIA. Após o 25 de Abril de 1974 integrou a Comissão Eleitoral que elaborou a primeira Lei Eleitoral.

Em 1975 apresentou uma exposição sobre a situação portuguesa no pós 25 de Abril, na Liga dos Direitos do Homem da Bélgica.

No ano seguinte integrou a Comissão de Averiguações de Violências sobre os presos sujeitos às autoridades militares, que preparou o “Relatório das Sevícias”.

Em 1978 representou Portugal em Viena, no “Congresso para o Ensino dos Direitos do Homem” e em 1983, em Lisboa, presidiu à conferência sobre “Racismo no Mundo”, ambos organizados pela UNESCO.

Foi Secretário-Geral (1973) e Presidente da Liga Portuguesa dos Direitos do Homem (1976), tendo chefiado em 1979, 1980 e 1981 a Delegação Portuguesa à Comissão dos Direitos do Homem das Nações Unidas, em Geneve.

Colaborou com a Comissão dos Direitos do Homem na ONU, ocupando aquele lugar a título pessoal, por escolha dos seus pares dos 52 países que então a constituíam. Em 1986 a Comissão designou-o Relator Especial sobre matéria de intolerância religiosa, funções que exerceu, apesar de já doente, até Setembro de 1992. Em Junho de 1988 foi convidado oficial da Igreja Ortodoxa Russa nas Comemorações do I Milénio do Cristianismo na Rússia, que decorreram em Moscovo.

Grande defensor da causa dos Direitos Humanos, participou em inúmeros encontros e seminários promovidos em diversos países de que se destacam as reuniões do Conselho da Europa para a convenção sobre a “Abolição da Tortura e dos Tratamentos Cruéis, Desumanos e Degradantes”, em Estrasburgo, em 1980, “Direitos do Homem dos Estrangeiros na Europa”, no Funchal, em 1983, e “Direitos Humanos e Democracia”, em Salónica, em 1987.

Integrou a Delegação Portuguesa do Ministério dos Negócios Estrangeiros à Conferência de Segurança e Cooperação Europeia (CSCE) sobre Direitos Humanos relacionados com a Acta Final de Helsínquia, em Paris (1989) e em Copenhaga (1990).

Em Maio de 1990 foi eleito, por seis anos, membro português da Comissão Europeia de Direitos do Homem junto do Conselho da Europa, em Estrasburgo. Razões de saúde levaram-no, porém, a pedir a exoneração do cargo em Fevereiro de 1993.

Em 1981 desempenhou o cargo de Presidente da Comissão do Acesso ao Direito, do Ministério daJustiça.

Foi delegado à Conferência de Haia de Direito Internacional Privado, para a elaboração da

Convenção de Assistência]udiciária (1979-1981).

A 16 de Maio de 1985 tomou posse do cargo de Provedor da Justiça, para que foi eleito pela Assembleia da República, por maioria qualificada, e no qual se manteve até Julho de 1990,

exercendo, por inerência, as funções de Conselheiro de Estado, com assento no Conselho Superior da Magistratura, até final de 1985.

Foi, ainda, Presidente da Secção Portuguesa da Comissão Internacional de Juristas de Geneve, “Direito e Justiça”. Nesta organização presidiu, igualmente, à Assembleia-Geral e dirigiu o Boletim.

Finalmente, entre os cargos e funções desempenhados, destacam-se, também, a presidência da Assembleia-Geral da Comissão Portuguesa do Direito Europeu e o exercício das funções de Provedor Arbitral do Metropolitano de Lisboa, EP.

Membro da Comissão Portuguesa do Atlântico e membro fundador da Associação Portuguesa dos Direitos do Cidadão (APDC), dirigiu nesta organização a revista O Cidadão. De referir, igualmente, que durante 12 anos foi redactor do jornal O Foro e durante 3 anos da Revista da Ordem dos Advogados(1972-1974).

Na Ordem dos Advogados integrou o Conselho Distrital de Lisboa em Janeiro de 1961, triénio de 1960-1962, e novamente nos triénios de 1963-1965 e 1966-1968 tendo sido, também, Vogal e Presidente do Instituto da Conferência, Presidente da Comissão de Relações Internacionais e, durante alguns anos, Presidente da Comissão dos Direitos Humanos.

Foi eleito Bastonário para o triénio de 1972-1974, tendo organizado e presidido à Comissão Executiva do I Congresso Nacional dos Advogados, realizado em Lisboa, no primeiro ano do mandato. Distinguido, a 8 de Janeiro de 1993, com a Medalha de Ouro da Ordem dos Advogados, naquele que foi o último acto da Bastonária Maria de Jesus Serra Lopes, disse, no discurso que então proferiu, ter tido sempre como princípio a defesa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos por acreditar profundamente na dignidade do homem e na justeza do combate pela causa dos direitos humanos.

Foi condecorado com o Grau de Grande Oficial da Ordem Militar de Cristo (1994) e com a Grã-Cruz da Ordem de Orange-Nassau (Holanda).

A 21 de Junho de 1999 foi homenageado na Ordem dos Advogados  ,em cerimónia presidida pelo Presidente da República, Dr. Jorge Sampaio, que na ocasião o agraciou com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique. Em 2004 o então designado Conselho Distrital de Lisboa, actual Conselho Regional de Lisboa, prestou homenagem ao Bastonário Angelo d’Almeida Ribeiro com a publicação de uma fotobiografia. De referir, igualmente, a atribuição do seu nome ao auditório da sede deste órgão.

Aspectos relevantes do mandato (1972-1974)

Neste triénio, que correspondeu ao fim de um ciclo e à transição da Ordem dos Advogados para um tempo novo, integraram o Conselho Geral presidido pelo Bastonário os Drs. João Paulo Cancella de Abreu, Vice-Presidente, Vasco da Gama Fernandes, Vice-Presidente, Duarte Vidal, Secretário, Mário Raposo, Tesoureiro, e os Vogais Drs. António Carlos Lima, Carlos Cal Brandão, António Neves Contente Ribeiro, Francisco Sá Carneiro, Francisco Tinoco de Faria e Jaime Afreixo.

O Dr. Francisco Salgado Zenha ingressou no Conselho Geral preenchendo a vaga criada pelo pedido de escusa do Dr. Jaime Afreixo. Em 1973, em virtude do pedido de escusa apresentado pelo Dr. Carlos Cal Brandão, foi eleito para o Conselho Geral o Dr. Armando Bacelar.

A direcção da Revista da Ordem dos Advogados, os serviços culturais e as relações internacionais constituíam competências do Bastonário. O pelouro da Biblioteca foi atribuído ao Dr. António Carlos Lima e o das relações com os Conselhos Distritais e Delegações ao Dr. Tinoco de Faria.

Liberal confesso por natureza e formação e acérrimo defensor dos direitos humanos, o Dr. Angelo d’Almeida Ribeiro fez do primado do Direito a sua causa, também enquanto Bastonário. Dizia, no seu discurso de posse: “Debaixo do meu aspecto de bonomia, que cultivo sem afectação, guardo uma independência feroz”, e foi com esse espírito que abraçou os desafios do cargo. Temia a tendência para tornar administrativa a justiça, bem como a sua socialização, que em seu entender punham em causa os conceitos tradicionais da advocacia, “que queremos continuar a ter por liberal”. Sublinhava ainda: “temos de nos preparar para a advocacia do futuro embora dentro do contexto tradicional da profissão livre”

Desde logo advogava a modernização da profissão no sentido da especialização “pelos grandes ramos da actividade jurídica”. Atento ao progresso e às possibilidades que a evolução tecnológica deixavam antever, nomeadamente quanto à realização de pesquisas em computador, já então uma realidade em alguns países, entendia que este futuro cada vez mais presente obrigava a repensar a profissão. “Assim, não é preciso ter dotes de pitonisa para prever, num breve espaço de tempo a criação e a generalização, entre nós, das sociedades civis de advogados, única forma de o advogado deixar de ser escravo da profissão, e poder repartir as actividades com outros colegas”.

Prestigiar a Ordem, defender os direitos dos advogados, reforçar a sua independência, melhorar as suas condições de vida, reformar o Estatuto Judiciário, regulamentar as sociedades de advogados e oficializar as especializações eram, para o Dr. Angelo d’Almeida Ribeiro, questões programáticas prioritárias.

Mais ambiciosa é a aspiração de ser ouvida a Ordem dos Advogados na introdução de novas regras no nosso Direito“, matéria da qual se deveria, no seu entender, ocupar, igualmente, o Instituto da Conferência, sem descurar, naturalmente, a sua missão cultural.

A Biblioteca continuava a concitar a atenção do Conselho Geral, funcionando em horário alargado e estando, igualmente, aberta a magistrados10. Contribuir para um melhor relacionamento entre advogados e magistrados, convidando estes a assistir a sessões solenes e a sessões do Instituto da Conferência, constituía, aliás, outro dos objectivos do seu mandato.

A Ordem cabia ainda, segundo o Bastonário, continuar a lutar no plano processual, que não no político, por maior protecção dos arguidos desde o início da fase de instrução, pelo fim de medidas ou jurisdições de excepção, pela diminuição do período de prisão preventiva, pela obrigatoriedade do mandado de captura, pela reforma do modelo de habeas corpus, pela assistência aos interrogatórios dos arguidos e, finalmente, pela visita aos clientes presos.

Importante seria, ainda, em seu entender, incluir na acção da Ordem os jovens advogados com menos de 30 anos. “Ignorá-los é forte erro, que pode causar à Instituição a que todos pertencemos os mais graves problemas futuros”.

O primeiro sinal de modernidade foi dado logo em 1972 com a organização, em Lisboa, do I Congresso Nacional dos Advogados. A sua preparação teve início em Março desse ano e, dessa altura até à sua realização de 16 a 19 de Novembro, foi grande o envolvimento do Bastonário e do Conselho Geral.

No período que antecedeu o Congresso foi realizado um inquérito à situação dos advogados, por um grupo de jovens profissionais da advocacia, no qual colaboraram também advogados e candidatos à advocacia, designação então dada aos estagiários. “E os seus resultados não permitindo, embora, a realização de um aprofundado estudo sociológico, deram a conhecer aspectos interessantíssimos da actividade dos profissionais forenses” salientava o Dr. Angelo d’ Almeida Ribeiro.

A ideia da realização de um congresso de advogados perpassara já pelo espírito do Bastonário Fernando Martins de Carvalho, que a defendera sem êxito durante o seu mandato. Tantos anos passados a classe teve, enfim, a possibilidade de, em conjunto, reflectir sobre a advocacia e o Direito em Portugal.

De salientar que o Congresso decorreu na recta final do Estado Novo, no período então designado por “primavera marcelista”, deixando pressentir uma agitação intelectual própria de um fim de ciclo.

A Ordem dos Advogados, que contava cerca de 3000 inscritos, reuniu no Congresso aproximadamente 800 participantes entre advogados, estagiários e solicitadores, tendo sido apresentadas 71 teses.

Em debate estiveram matérias de importância primordial relacionadas com o exercício da profissão, o Direito e a organização da Ordem, centradas em oito temas: Deontologia Profissional – relator, Dr. Duarte Vidal; Sociedades de Advogados – relator, Dr. João Paulo Cancella de Abreu; Estrutura da Ordem, Jovens Advogados e Estágio – relator, Dr. Guilherme da Palma Carlos; Os Advogados Perante o Processo Civil – relator, Dr. Mário Raposo; Os Advogados Perante o Processo Penal – relator, Dr. Francisco Sá Carneiro; Reforma da Previdência dos Advogados – relator, Dr. Tinoco de Faria; Extensão da Ordem dos Advogados ao Ultramar – relator, Dr. Vasco da Gama Fernandes; O Papel do Advogado na Sociedade Portuguesa – relator, Dr. Jorge Sampaio.

Ao proceder ao seu balanço, afirmava o Bastonário: “Pode dizer-se que o País inteiro se interessou por ele, por aquilo que se disse e se fez, revelando a perfeita consciencialização dos advogados portugueses. (…) Comissões serão designadas pelo Conselho Geral, para que os estudos feitos em cada um dos oito temas do Congresso sejam aplicados e concretizados, sempre que possível, na nossa legislação ou nos nossos regulamentos internos. (…) Tudo se fará para não deixar cair no esquecimento ou na apatia tão importante conhecimento”.

Destacava, ainda, o Bastonário, no relatório de 1972, o discurso proferido pelo Ministro da Justiça na abertura do Congresso no qual anunciara a concessão de três benesses há muito solicitadas pela Ordem:  “o aumento  dos  subsídios  aos  reformados por  invalidez;  a  possibilidade  de reinscrição dos advogados com inscrição suspensa e com mais de 60 anos; empréstimos para a construção ou aquisição ou beneficiação de casa própria“.  Na Caixa de Previdência dos Advogados o Dr. Xencora Camotim sucedeu ao Dr. Amaral Barata, que pediu escusa do cargo.

Dando sequência às conclusões do I Congresso, foram constituídas várias comissões para estudo de alterações à legislação que regulamentava a Ordem, nomeadamente quanto à reforma do estágio, tabelas de honorários, incompatibilidades, sociedades de advogados e processo civil.

Outra das novidades do triénio foi a criação de um boletim informativo para divulgação da actividade desenvolvida pela Ordem, incluindo notícias sobre congressos, reuniões internacionais e outros assuntos, tendo por objectivo estreitar a ligação dos advogados à Ordem.

Além de inúmeros pareceres sobre as mais diversas matérias, a Ordem emitiu ainda, em 1972, parecer sobre a criação da Associação Portuguesa de Direito Marítimo, solicitado pelo Grémio dos Armadores da Marinha Mercante e, no ano seguinte, foi chamada pelo Ministro da Justiça a pronunciar-se sobre a revisão do Código de Processo Civil.

Em 1972 foi alargada a aplicação do regime de reciprocidade com os advogados brasileiros quanto à inscrição como candidatos à advocacia que passou, assim, a estar aberta a todos os licenciados em Direito por qualquer universidade brasileira, nos termos aplicáveis aos licenciados portugueses.

Na sequência de alguns incidentes ocorridos em tribunais, a Ordem interveio junto do Ministro da Justiça, do Conselho Superior Judiciário e da Inspecção dos Tribunais de Trabalho. “Ao Sr. Ministro da Justiça foi apresentado o nosso veemente protesto com referência ao artigo 10° do Decreto nº 368/72, de 30 de Setembro, em especial quanto às dificuldades postas aos advogados que pretendem assistir aos

interrogatórios dos detidos na Direcção-Geral de Segurança. O problema foi, aliás, amplamente debatido durante o nosso congresso, em defesa da classe a Ordem foi chamada a intervir em casos relacionados com advogados do Ultramar, apesar de não ter jurisdição nesses territórios.

O Bastonário era, por inerência, Procurador à Câmara Corporativa, intervindo na sub­secção da Justiça. Durante 20 anos essa representação foi assegurada pelo Prof. Doutor Adelino da Palma Carlos, inicialmente na qualidade de Bastonário, depois por delegação do Bastonário Pedro Pitta e, por fim, em 1972, por delegação do Dr. Angelo d’ Almeida Ribeiro. Em 1973, tendo o Prof. Doutor Adelino da Palma Carlos pedido escusa, o Bastonário assumiu o cargo, que entendia ter grande utilidade e importância para a Ordem, intervindo, de imediato, nos trabalhos preparatórios das propostas das Leis nº 1/XI, sobre o transplante de tecidos ou órgãos de pessoas vivas e nº 2/XI, relativa à criação de Secções Cíveis e Criminais nas Relações.

A publicação do Decreto-Lei nº 202/73, de 14 de Março, introduziu alterações substanciais na organização judiciária ao criar o Distrito Forense de Évora, que implicou a constituição de novas comarcas e a passagem de Julgados Municipais àquela categoria. Como consequência verificou-se uma alteração territorial de muitos círculos judiciais por todo o país, o que implicou a eleição de novos delegados às assembleias gerais e a nomeação de delegados da Ordem para as novas comarcas, processo complexo e moroso. Foi, ainda, criado o Conselho Distrital de Évora, sendo eleito seu Presidente o Dr. Alberto Jordão da Silva Salgueiro Marques da Costa.

Em 1973, na sequência “de várias comunicações dos Tribunais, deliberou o Conselho Geral considerar que, em face da legislação actual, as nomeações oficiosas constituem um serviço de interesse público e são obrigação que impende sobre todos os advogados inscritos, mesmo que só exerçam serviço de mera consulta jurídica ou sejam advogados de empresa”  No mesmo ano foi criada uma escala dos advogados interessados na prestação de serviços solicitados por entidades estrangeiras, oficiais ou privadas, que, com alguma frequência, recorriam à Ordem. O principal requisito era, naturalmente, o domínio do idioma do contratante.

Foi deliberado que todas as comunicações sobre faltas a julgamentos ou diligências judiciais deveriam ser enviadas pelos Conselhos Distritais à presidência da Ordem para uniformização de critérios de apreciação. “E, enquanto não se consegue uma solução legal para o problema, têm os colegas sido convidados a justificar as suas faltas perante o Bastonário, que imediatamente despacha justificação quando apresentada e sem necessidade de instaurar qualquer procedimento disciplinar que inutilmente vinha sobrecarregar a tarefa dos Conselhos Distritais”.

A 18 de Março de 1974 entrou em funcionamento o 1° Gabinete de Consulta Jurídica, criado neste triénio e que teve grande êxito. “A iniciativa partiu dum grupo de jovens estagiários, e foi facilitada por recente alteração do art. 0 537° do Estatuto Judiciário. O Conselho Geral não aprovou, propriamente, um regulamento do Gabinete, mas estabeleceu meia dúzia de princípios fundamentais”. Eram estes os seguintes: a consulta prestada ser inteiramente gratuita, a garantia de anonimato em relação aos consulentes, os pareceres não vincularem a Ordem, os estagiários serem assistidos por um advogado mais experiente, a proibição do seguimento das questões apresentadas, mesmo fora do Gabinete e a de os advogados ou candidatos consultados não poderem aceitar o patrocínio nem indicar colegas para o efeito.

Em notícia publicada no Boletim de Março de 1974, o Bastonário dava conta do sucesso do Gabinete de Consulta Jurídica a funcionar ao Sábado à tarde e à noite, atendendo-se em cada sessão cerca de 10 consulentes. “As salas da Ordem conheceram, novamente, um movimento desusado. E o seu prestígio aumenta aos olhos do público, que vê neste serviço uma actividade eminentemente social e desinteressada, mas extremamente útil para aqueles que carecem dum conselho ou de uma orientação para graves

problemas que os afligem.” Lamentava-se, porém, o reduzido número de candidatos e advogados inscritos para esta acção e apelava-se, sobretudo aos advogados de Lisboa, para aderirem a esta causa.

A Comissão de Relações Internacionais era presidida pelo Bastonário e integrava os Drs. Vasco da Gama Fernandes, João Paulo Cancella de Abreu, José Manuel Coelho Ribeiro, Jorge de Sá Borges, ]osé Pinheiro Lopes de Almeida e João Kort Brandão.

A 15 e 16 de Abril de 1972 o Bastonário participou na reunião conjunta da International Bar Association (IBA) e da Union Internationale des Avocats (UIA), que se realizou no Estoril e em Setembro do mesmo ano no Congresso da IBA, em Monte Carlo. De salientar, ainda nesse ano, a presença do Dr. Angelo d’Almeida Ribeiro no jantar da Pensylvania Bar Association, em Novembro, em Portugal, nas reuniões da Associação dos Advogados de Berlim Oeste e nas cerimónias de abertura da Conferência do Estágio, em Paris, acompanhado pelo Dr. Jorge Sampaio e pelo Dr. José António Barreiros, em 1972 e 1973, respectivamente.

Levantou controvérsia neste triénio a nova interpretação dada pela Caixa de Previdência ao Decreto-Lei nº41487, de 30 de Dezembro de 1957, de acordo com a qual o Conselho Geral deixava de poder contar com as receitas da Caixa para fins culturais.

Em 1972 a Comissão do Instituto da Conferência era composta pelos Drs. Jorge Sampaio, José Maria Gaspar, José Hermano Saraiva, Vera Jardim, Jorge Santos e Alberto Pimenta, sendo na sua primeira sessão orador o Prof. Doutor Adelino da Palma Carlos com o tema “Organização Judiciária”. Seguiu-se-lhe outra conferência, pelo Dr. Salgado Zenha, intitulada “A Constituição, a Organização Judiciária e a Liberdade Individual”. No ano seguinte a actividade do Instituto da Conferência prosseguiu com as intervenções do Dr. Alfredo Wilensky sobre “Justiça e Advocacia nos Estados Unidos” e do Dr. Luiz Francisco Rebello com “Visita Guiada ao Mundo do Direito de Autor”.

O Prémio Alves de Sá relativo ao biénio de 1970/1971 foi atribuído ao Dr. Fernando da Cunha e Sá pelo trabalho “O abuso do direito no Código Civil”, e entregue em sessão pública do Instituto da Conferência. Neste triénio o conselho redactorial da Revista da Ordem dos Advogados era constituído pelos Drs. António de Sousa Madeira Pinto, João Paulo Cancella de Abreu, António Carlos Lima, Mário Raposo e João de Castro Mendes.

O último ano do triénio e o 25 de Abril

No último ano do mandato do Bastonário Angelo d’Almeida Ribeiro a Ordem acompanhou as transformações políticas e sociais desencadeadas pela revolução de 25 de Abril de 1974.

O país conheceu então profundas mudanças, que obrigaram a uma adaptação à nova realidade política, económica e social a que, naturalmente, e por maioria de razão, não foi alheia a Ordem dos Advogados. Defensora dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, com um passado histórico de referência nessa matéria, coube-lhe viver o momento com todos os condicionalismos de um processo e legalidade revolucionários.

Assim, no editorial do Boletim Informativo da Ordem dos Advogados, de Abril-Maio de 1974, afirmava o Bastonário:

“Iniciou-se, nesta data histórica, uma nova era para as instituições políticas do País, com larga repercussão nos aspectos sociais e económicos e reflexos na nossa Ordem.

A importância do vitorioso Movimento das Forças Armadas não carece de ser exaltado. A Ordem sentiu-a imediatamente e o Bastonário, logo em 25 de Abril, enviou para o Presidente da Junta de Salvação Nacional o seguinte telegrama:

«Bastonário Ordem dos Advogados impossibilitado reunir imediatamente respectivo Conselho Geral desde já manifesta V. Exa. incondicional apoio advogados portugueses restauração direitos cívicos e liberdades fundamentais, garantias liberdade individual, extinção jurisdições especiais, defesa independência e dignificação poder judicial pelos quais este organismo sempre tem pugnado.

Apresento a V. Exa. e restantes membros Junta Salvação Nacional respeitosos cumprimentos.»

E fez-se, logo a seguir, um apelo à participação efectiva dos Advogados Portugueses, como Trabalhadores que são, na extraordinária manifestação cívica do 1° de Maio, que se comemora oficialmente, e sem limitação, pela 1 ª vez após 48 anos de ditadura.

E passada a euforia desses dias inolvidáveis, a Ordem procurou contribuir para melhoria das novas Instituições. As actividades que a seguir se relatam neste Boletim informativo projectam o nome da nossa Associação de Classe, que foi invocada em numerosas circunstâncias, desde a nomeação de conselheiros jurídicos para certas reformas, à colaboração em actividades de saneamento e investigação.

Aliás, e antes do 25 de Abril, a Ordem dos Advogados foi das poucas instituições que se manifestaram publicamente, em numerosas circunstâncias, defendendo os direitos e liberdades ameaçadas ou postergadas.

Os arquivos da Ordem nas últimas dezenas de anos podem fornecer-nos elementos valiosos sobre tais aspectos. E por muito pouco que possa interessar o passado, dados os problemas do presente e as perspectivas do futuro, não deixa de ser justo evocarmos nesta altura que a Ordem foi, no meio de tantas ilegalidades e abusos praticados em meio século, uma «ilha» independente e atenta à defesa dos direitos humanos e daJustiça”

A 11 de Maio de 1974 realizou-se uma Assembleia Plenária durante a qual o Bastonário apresentou uma moção na qual eram referidos alguns temas que considerava fundamentais, entre os quais a declaração de adesão aos princípios constantes do programa do Movimento das Forças Armadas, divulgado pela Junta de Salvação Nacional, o apoio à restauração dos direitos cívicos, a garantia das liberdades fundamentais, a amnistia dos presos políticos, a abolição da censura, a extinção da PIDE/DGS e a satisfação pela garantia da liberdade de expressão e associação. Declarava, ainda, na moção, o Bastonário, que esta posição não era ditada pelo oportunismo político, mas pela acção da Ordem ao longo dos tempos em favor do respeito pelos direitos cívicos e pela defesa da liberdade individual. Propunha-se, através desta moção, adoptar as conclusões do I Congresso dos Advogados Portugueses, colaborar no estudo da nova legislação do regime democrático e pedir o castigo dos culpados pela prática de crimes entre os quais violências e abusos sobre presos, abusos de autoridade, desvio de dinheiros públicos, corrupção, etc.. Propunha, igualmente, a publicação de um “Livro Branco” sobre todas as violências a que tinham sido sujeitos os presos políticos ou de delito comum, incluindo o testemunho dos advogados e dos seus patrocinados, revelando as diversas diligências realizadas pela Ordem ou pelos advogados durante o anterior regime.

A moção, que foi aprovada pela Assembleia Plenária, contemplava todos os princípios constantes da moção do Bastonário e defendia a formação de uma comissão de advogados para colaborar com o Movimento das Forças Armadas e com ajunta de Salvação Nacional, bem como a tomada de um conjunto de medidas a propor à Junta de Salvação Nacional e ao Governo Provisório, de carácter manifestamente revolucionário, entre as quais as seguintes:

“a) imediata incriminação e julgamento de todos os Ministros do Interior, da Justiça e do Ultramar do regime fascista;

b) inquérito às actividades de todos os membros do governo cuja responsabilidade nos crimes do regime fascista stja evidente para averiguações dessa responsabilidade;

c) inquérito, com prévio congelamento de bens às fortunas acumuladas pelos altos dignitários do regime fascista-corporativo;

d) inquérito a todos os funcionários superiores do Estado, em especial a muitos directores gerais, particularmente os do Ministério do Interior, da Justiça e das Corporações;

e) detenção e julgamento de todos os elementos ligados às organizações fascistas – PIDE e Corpos Especializados da Legião Portuguesa (F.A.C. e Serviço Policial) e rigorosa investigação das suas actividades criminosas;

f) demissão imediata, incriminação e julgamento como criminosos de direito comum de todos os Juízes que

foram dóceis, serventuários da P.l.D.E. que sancionaram a tortura e os crimes daquela organização e violaram os mais elementares direitos de defesa de cidadãos presos e lhes aplicaram severas penas de prisão”.

No final do mês de Julho de 1974 o Bastonário deu conhecimento ao Conselho Geral de uma exposição de vários presos da Cadeia Penitenciária de Lisboa, que aí se encontravam desde o dia 25 de Abril, sem culpa formada, e na qual pediam apoio jurídico da Ordem, solicitando que esta, em seu nome, requeresse o habeas corpus. Sobre o assunto “Foi deliberado responder que nem a Ordem nem o seu Presidente têm legitimidade para requerer o «habeas corpus» o qual tem que ser requerido pelos próprios detidos ou seus familiares através dos advogados constituídos e que só na hipótese de os detidos não encontrarem advogados que voluntariamente os patrocinem é que podem solicitar ao Presidente do Conselho Distrital da Ordem respectivo nomeação de advogados que os patrocinem nos termos da alínea p) do artigo seiscentos e dezanove do Estatuto Judiciário”.

Na mesma sessão do Conselho Geral foi transmitida pelo Bastonário a sugestão recebida da comissão de gestão da Faculdade de Direito no sentido de a Ordem, ainda que a título excepcional e com carácter provisório ou interino, aceitar a inscrição como estagiários dos alunos do 5° ano inscritos em todas as disciplinas que lhes faltavam para concluir a licenciatura, como se estivessem licenciados. Foi deliberado responder que, em face do disposto no Estatuto Judiciário, era indispensável, para a inscrição como estagiário, a “titularidade da carta de licenciatura” e que só através de uma providência legislativa se poderia ultrapassar essa imposição, manifestando, contudo, receptividade para uma solução emanada do Ministério da Justiça ou da Educação e Cultura, com força para revogar as disposições legais vigentes.

Após o 28 de Setembro de 1974 e na sequência de uma visita realizada pelo Bastonário aos advogados presos em Caxias, por alegado envolvimento nos acontecimentos dessa data, foi deliberado, “na esteira das tradições da Ordem em situações semelhantes com vista ao rigoroso cumprimento da lei”, expor ao Presidente da República e ao Ministro da Justiça “as preocupações desta Ordem quanto às variadas reclamações recebidas no que se refere aos actos de detenção e busca, contactos dos detidos com os advogados, incomunicabilidade dos detidos com as suas famílias, morosidade na investigação e falta de

Concretização das acusações”

Mais tarde, o Bastonário interveio junto do COPCON, na pessoa de Otelo Saraiva de Carvalho, a propósito das várias reclamações recebidas sobre detenções efectuadas na sequência do 28 de Setembro.

O Bastonário Angelo d’Almeida Ribeiro visto pelo Bastonário Mário Raposo e pelo primeiro-ministro António Guterres

Em homenagem ao Bastonário Angelo d’Ameida Ribeiro a revista Forum Iustitiae publicou um artigo do seu sucessor no cargo, o Bastonário Mário Raposo, em que o autor recordava ter conhecido pessoalmente o amigo e colega num julgamento em que ambos se encontravam do lado da defesa, acrescentando:

“Éramos vizinhos (ele no Largo de São Carlos, eu na Rua Anchieta) mas só nos conhecíamos de tradição, a dele por certo mais enriquecida do que a minha, separados como estávamos por uma geração. Não tardou muito a sermos amigos e, como era regra raramente quebrada naquela época, mesmo quando patrocinávamos interesses opostos, tudo sempre se passava com ininterrompida cordialidade e lealdade (…).

O seu ímpar exemplo de dignidade, de dimensão profissional, de entrega desinteressada e corajosa a todas as boas metas será sempre semente dessa responsabilização para os queficaram e para a própria Ordem dos Advogados.

É que a Ordem, muito mais do que um organismo de classe, é um estado de espírito; uma Ordem burocraticamente arrumada, mas sem força de pública intervenção, sem calor de alma e sem um grão de consentível utopia para um mundo diferente e melhor não será a Ordem de que Almeida Ribeiro foi Bastonário. Como não foi (para falar dos que já nos deixaram) a de um Barbosa de Magalhães, a de um Pedro Pitta, a de um Palma Carlos, a de um Martins de Carvalho, a de um Domingos Pinto Coelho ou a de um Mário Pinheiro Chagas.

Enquanto o exemplo deles perdurar – o de alguns vai-se esfumando sem que a chama da evocação seja reactivada – o futuro será por certo vivido com maior inquietação e fulgor”.

Em Janeiro de 2000 o então Primeiro-Ministro, Eng.º António Guterres, no texto de condolências que dirigiu à Ordem dos Advogados pela morte do Bastonário Angelo d’Almeida Ribeiro, recordava-o da seguinte forma:

“Há homens assim.

Homens que conseguem fazer deste mundo um pouco melhor.

Homens inteiros, homens que se batem denodadamente pela liberdade, pela igualdade, pela solidariedade.

Angelo d’Almeida Ribeiro era um homem assim.

Combativo, incansável, íntegro e independente, deu luta sem quartel ao autoritarismo e ao obscurantismo, fez da tolerância e da defesa dos direitos da pessoa humana razões de uma vida

Todo o seu percurso profissional e pessoal revela uma invulgar grandeza, uma alma do tamanho do mundo, uma entrega total às mais nobres causas.

A morte de Angelo d’Almeida Ribeiro causou-me profunda mágoa. Admirava-o muito, respeitava-o ainda mais, sentia por ele e pela sua maneira de estar na vida, grande consideração.

Almeida Ribeiro será sempre um homem grande porque viveu para o bem dos outros homens.

Ainda há homens assim. Que nos fazem sentir melhor o mundo e a vida, que nos fazem sentir valer a pena a fraternidade.

Ainda bem que há homens assim.”

Texto: Maria João de Figueiroa Rego in “Os Bastonários da Ordem dos Advogados Portugueses”

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