Mário Pinheiro Chagas - 1937-1938


POR Redação OA

“Em cada advogado há qualquer coisa de inamovível, de inevitável, que depende do que ele é como homem. E como homem o que ele tem de ser é honesto, pois a honestidade não é um luxo, mas uma força”


Mário Pinheiro Chagas

Fernandes, Constantino – Elogio de Mário Pinheiro Chagas. Revista da Ordem dos Advogados. Lisboa. Ano 18, nº 1 Janeiro-Março 1958),p. 26.

O Dr. Mário da Silva Pinheiro Chagas nasceu a 16 de Junho de 1870, em Lisboa, na Rua de S. Joaquim, nº 25 e faleceu, nesta cidade, a 8 deJunho de 1939.

Filho de Manuel Pinheiro Chagas, romancista, dramaturgo, jornalista, político e exímio orador, o Dr. Mário Pinheiro Chagas pertencia a uma família que, nas palavras de Rocha Martins, “pode citar-se como exemplo da velha grei portuguesa”

Licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra, em 1891, foi contemporâneo, entre outros, de Camilo Pessanha, Mário de Miranda Monteiro, Fernando Martins de Carvalho e Afonso Costa.

Iniciou a sua carreira no escritório do Dr. Francisco Franco de Castro, vulto do seu tempo na advocacia, onde, curiosamente, ingressaria, quatro anos depois, o Dr. Carlos Ferreira Pires, que em 1939 lhe sucedeu como Bastonário Sócio efectivo da Associação dos Advogados de Lisboa, desde 22 de Fevereiro de 1893, dominava as línguas inglesa e francesa, sendo muitos dos seus clientes estrangeiros. Especialista em direito comercial e marítimo era já um advogado de renome no início do século XX.

Desempenhou os cargos de deputado, eleito por Évora, e de vereador da Câmara Municipal de Lisboa (1907 e 1908).

Monárquico e partidário de João Franco, sofreu um duro golpe com a implantação da República, que levou o irmão Frederico ao suicídio no próprio dia 5 de Outubro de 1910. Integrou na Galiza e a norte de Portugal as hostes de Paiva Couceiro. Em 1911 exilou-se em Paris onde continuou a exercer a advocacia no ramo do direito marítimo, contando entre os seus clientes diversos armadores e companhias de navegação. Quando as questões implicavam idas a tribunal assegurava o patrocínio o seu colaborador Alexandre Millerand, que em 1920 ascendeu à presidência da República Francesa

A propósito do seu envolvimento político no período a seguir à implantação da República, dizia o jornalista Rocha Martins: “Mário Pinheiro Chagas foi advogado e, a certa altura da sua vida, meteu-se a conspirar quando a idadejá não lhe aconselhava aquele passo. Mas sentiu ser seu dever e sacrificou à Monarquia morta tudo quanto podia para a ressuscitar”

Com o deflagrar da primeira Grande Guerra (1914-1918) o governo português decretou uma amnistia geral que lhe possibilitou o regresso a Portugal, pondo, assim, termo ao seu exílio em França.

A sua relevante actuação como advogado em causas que envolviam interesses franceses atingidos pela guerra, levou a República Francesa a condecorá-lo com a Legião de Honra.

Importante na sua carreira foi também a intervenção no processo intentado contra a Casa Waterlow, a respeito da falsificação de notas portuguesas, no âmbito do caso Angola e Metrópole. Foi consultor jurídico das legações de França e Estados Unidos e advogado de empresas como a Companhia Colonial de Navegação, Companhia de Diamantes de Angola, Companhia do Boror, Secil, Companhia dos Telefones e Companhia dos Fósforos, tendo sido, inclusive, convidado para administrador e presidente de algumas delas.

O Dr. Mário Pinheiro Chagas integrou o triénio de 1927-1929, presidido pelo Dr. Vicente Rodrigues Monteiro, foi vogal do Conselho Superior entre 1930 e 1932 e novamente eleito para o Conselho Geral em 1936.

O Bastonário Carlos Pires, que lhe sucedeu no cargo, fez-lhe a seguinte menção no relatório de 1939: “Era um profissional de grande realce no foro português pela sua inteligência, saber e trato primoroso. (…) Com Mário Pinheiro Chagas, figura de rara elegância intelectual e moral, desapareceu, assim, um advogado modelar que jamais será esquecido.”

Aspectos relevantes do mandato (1937-1938)

O Dr. Mário Pinheiro Chagas iniciou o seu curto mandato a 12 de Novembro de 1937, na  sequência da   renúncia   apresentada  pelo   anterior   Bastonário, Dr. Domingos Pinto Coelho, tendo a vaga criada com esta alteração sido preenchida pelo Dr. Manuel Gaspar de Lemos.

Durante o seu Bastonato foi 1° Vice-Presidente o Dr. Manuel dos Santos Lourenço, 2° Vice-Presidente o Dr. Álvaro Lino Franco, Tesoureiro, inicialmente, o Dr. Caetano Pereira e, posteriormente, o Dr. Teixeira de Azevedo e Secretário o Dr. Augusto Vítor dos Santos.

A actividade do Conselho Geral neste período centrou-se, essencialmente, na emissão de laudos sobre honorários, na atribuição de pensões e subsídios e em respostas a consultas formuladas por advogados.

A questão dos laudos sobre honorários, que merecera já a atenção do anterior Bastonário, levou o Dr. Mário Pinheiro Chagas a pronunciar-se no relatório de 1937, nos seguintes termos:

“O Conselho Geral considera como um pesado encargo a obrigação que lhe impôs o Estatuto Judiciário de se pronunciar sobre as contas de honorários que lhe forem submetidos pelos Srs. Advogados, quando estes tiverem de reclamar dos seus constituintes, pelos meios judiciais, o pagamento dos seus honorários.

É esse encargo deveras pesado – além de desagradável, quando o Conselho não pode dar o parecer inteiramente favorável aos requerentes de laudo, o que já tem sucedido por vezes – e dizemos pesado porque o laudo do Conselho não está tendo, infelizmente, nos tribunais o efeito que a Lei lhe quis imprimir (…).

O Presidente do Conselho Geral [Bastonário] está-se esforçando e continuará a esforçar-se para que acabe este estado de cousas”

Em 1937 realizaram-se apenas duas conferências, proferidas pelo Prof. Doutor Beleza dos Santos e Dr. Mário de Castro em virtude de o Vogal responsável, Dr. Jaime de Gouveia, ter sido acometido por doença grave. A Biblioteca, por cuja organização se manteve responsável o Dr. Arnaldo Monteiro, continuou a constituir prioridade do Conselho Geral, a propósito da qual se lê no relatório de 1938: “No orçamento do futuro ano se inscreveu uma verba importante, que permite dar o máximo incremento à aquisição de obras que dia a dia tornam mais valioso o recheio jurídico com que a Biblioteca deve estar dotada para satisfazer os estudiosos”.

O elogio histórico do Dr. Mário Pinheiro Chagas pelo Dr. Constantino Fernandes

No elogio histórico do Bastonário Dr. Mário Pinheiro Chagas começa por referir o Dr. Constantino Fernandes, que a sua tarefa, previsivelmente difícil dada a diferença de duas gerações que o separava do Bastonário e a posse de escassa informação, apenas tinha sido possível graças ao contributo do Dr. António de Sousa Madeira Pinto. Este ilustre advogado procedera, aquando das Comemorações do XXV Aniversário da Ordem dos Advogados, à recolha de elementos sobre os Bastonários, com vista a um trabalho que o Conselho Geral tinha previsto realizar, mas que não chegou a concretizar-se.

No introito do elogio, dizia o seu autor:

Pessoalmente, a tarefa que o Sr. Presidente da Ordem me distribuiu tem ainda o aliciante de um político do campo oposto vir fazer o elogio de um monárquico indefectível, mostrando que a minha geração ainda recebeu lições de tolerância e não compreende que os adversários políticos sejam inimigos.

É verdade que estes valores estão hoje transtornados e a política extrema-se em campos que contemplam fases de civilização. Mas o transtorno não impede a saudade de tempos em que a política era, também, obra de gente educada”

Realçando as qualidades profissionais do homenageado, salientava:

“Mário Pinheiro Chagas era um orador influente e eficaz. As suas exposições forenses eram de uma tão natural clareza que podiam servir um processo didáctico. Foi lamentável que não tentasse o processo crime, onde se afirmam os grandes advogados. Mas o seu pendor espiritual, a sua cultura literária, a sua conversação aliciante e o requinte de homem de sociedade não permitiriam contactos a que os processos daquela natureza obrigam … era assim que pensava, talvez erradamente, do foro criminal”.

Além destas competências, o autor do elogio realçava, ainda, a sua especial habilidade para a obtenção de acordos nos processos numa altura em que ainda não existia o art.0 513° do Código de Processo Civil, promovendo audiências informais para tentar a conciliação “sem a presença das partes, sem procuração e sem a majestade das becas”.

A terminar, o Dr. Constantino Fernandes recordava as palavras e conselhos ouvidos do Dr. Mário Pinheiro Chagas, bem ilustrativos do seu carácter:

“Em cada advogado, dizia ele, há qualquer coisa de inamovível, de inevitável, que depende do que ele é como homem. E como homem o que ele tem de ser é honesto, pois a honestidade não é um luxo, mas uma f orça. As palavras de um advogado assim têm autoridade particular, constituem a obra activa de um homem que tem um passado e uma reputação que lhe dá vasto crédito entre os magistrados.

O advogado não deve ser, não pode ser, apenas, um homem de leis. Tem de ser um homem da sociedade, isto é, com convivência. Não deve descurar nunca o culto das belas letras e dos conhecimentos gerais, embora perjunctórios, das artes e ciências, para afinar as qualidades de sensatez e de perspicácia. Não lhe fica mal reter na memória uma dúzia de boas anedotas, para as contar a propósito… tanto mais que a lei, às vezes, também é anedótica (…).

Outra recomendação que lhe ouvi foi a de que o advogado consultado, mesmo tendo a certeza do que afirma, nunca deve deixar de compulsar a lei (…).Este notável advogado, jurisconsulto de fama internacional e homem de uma só fé, não pôde concluir o mandato que a classe lhe confiara. A doença impediu-o de o fazer”

Texto: Maria João de Figueiroa Rego in “Os Bastonários da Ordem dos Advogados Portugueses”

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